Os réus no Supremo Tribunal Federal, envolvidos na tentativa de golpe de Estado, incluindo aqueles condenados pela investida aos prédios dos Três Poderes em janeiro de 2023, estão deturpando o conceito de anistia, transformando-o em um pedido de perdão pelos delitos cometidos. Essa distorção é criticada pela presidente da Comissão de Anistia, Ana Maria Oliveira, ligada ao Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania.
Segundo Ana Maria, a anistia é um conceito que abrange a proteção daqueles perseguidos pelo Estado ditatorial, não se aplicando aos que atentaram contra a democracia. Ela destaca a importância não apenas da responsabilização pelos crimes cometidos, mesmo após décadas, mas também da educação para a compreensão do impacto dessas ações na sociedade brasileira.
Leia trechos da entrevista de Ana Maria Oliveira para a Agência Brasil
Agência Brasil: Como a senhora avalia esse momento de conscientização da sociedade brasileira em relação à anistia?
Ana Maria Oliveira: Ainda temos muito caminho pela frente. Precisamos que o Supremo Tribunal Federal não acoberte com o manto da anistia os torturadores da ditadura. Isso porque a lei de 1979, a 6683, não é uma lei de anistia para torturador. Ela é uma lei de memória.
Entre os pontos a serem celebrados, Ana Maria destaca a importância da cultura no debate político, mencionando o filme “Ainda estou Aqui”, que aborda a busca por justiça e memória de Eunice Paiva, esposa de Rubens Paiva, deputado federal assassinado durante o regime ditatorial. O filme trouxe à tona a questão dos desaparecimentos e violações, sob a perspectiva familiar.
Ana Maria ressalta a necessidade de manter viva a memória do período ditatorial, destacando a importância de reconhecer os locais de prisão e tortura em todo o país.
Agência Brasil: Em relação às propostas no Congresso Nacional que buscam anistiar os envolvidos nos ataques de janeiro, isso distorce o conceito de anistia?
Ana Maria Oliveira: O que está sendo pedido não é anistia, mas perdão pelos crimes contra a democracia. A verdadeira anistia protege os perseguidos pelo Estado ditatorial. Aqueles que pedem anistia não foram perseguidos ou torturados. Eles estão sendo julgados dentro do Estado Democrático de Direito, com seus direitos respeitados.
Agência Brasil: Esse pedido de anistia para os ataques de janeiro não encontra respaldo na legislação?
Ana Maria Oliveira: A anistia seria aplicável a casos de perseguição, tortura ou morte. O que está em discussão é o perdão para os crimes cometidos contra a democracia, um gesto de desculpas àqueles perseguidos pelo Estado ditatorial.
A falta de responsabilização dos torturadores do passado gerou uma sensação de impunidade, encorajando as violações e os ataques recentes à democracia pela expectativa de perdão.
Em relação às vítimas e seus familiares, a Comissão de Anistia reconhece o impacto transgeracional das violações, defendendo ações de memória para dar visibilidade ao que ocorreu. A busca por justiça é também um pedido de desculpas à sociedade como um todo.
É fundamental manter viva a memória do período ditatorial, não apenas em datas específicas, mas ao longo de todo o ano, por meio de políticas de memória e educação. A sociedade brasileira deve reconhecer e compreender o passado para construir um futuro democrático e justo.
Comentários Facebook