Em meio às cores, sabores e sons da temporada junina no Nordeste, Salvador se destaca como um epicentro de uma manifestação cultural única. Aqui, a sanfona, a zabumba e o triângulo dão espaço a tambores e palmas, criando um ambiente onde o samba duro junino, uma variação do samba de roda, floresce nas comunidades populares.
Após o Sábado de Aleluia, até o dia 2 de julho, os bairros periféricos da cidade se transformam em palcos vibrantes, ensaiando e desfilando grupos de samba junino. Com um mês de antecedência ao São João, o Bahia Notícias explora, neste sábado (24), as histórias que tecem a riqueza deste movimento cultural.
A origem do samba junino é cercada de incertezas, mas um elemento é claro: suas sonoridades têm raízes nas tradições religiosas de matriz africana, conhecidas como sambas de terreiro. O professor de Música e mestre em Etnomusicologia pela Universidade Federal da Bahia, Gustavo Melo, destaca que o samba junino é uma manifestação que se aproxima muito do ritmo Cabila, característico de terreiros, e é uma evolução do samba de roda.
“No samba junino, a natureza é mais fluida. Antigamente, saíamos dos terreiros para tocar nas comunidades, fazendo uso de instrumentos como timbal e até pratos”, explica Melo. O samba, como um tronco musical extenso, sofreu transformações nas diversas localidades do Brasil, criando uma pluralidade de vertentes, todas com suas próprias linguagens e sotaques.
Um marco importante na era moderna do samba junino foi o Festival de Samba Duro Junino do Engenho Velho de Brotas, idealizado em 1978 pelos irmãos Mário e Jorge Sacramento. Este festival começou com desfiles de samba de roda e, ao longo dos anos, passou a incluir grupos que adotaram um samba mais cadenciado.
Mário, neto de uma mãe de santo da comunidade do Engenho Velho, lembra com carinho de sua relação com o samba, que começou desde a infância. Eles decidiram levar os sambas de terreiro para as ruas, criando um movimento que hoje é sinônimo de resistência cultural. “Ouvir os tambores era um convite para participar”, comenta Mário, relembrando como o festival cresceu ao longo de 47 anos.
Jorge, seu irmão, relata que o movimento foi criado para dar voz ao samba duro, que buscava uma identidade própria numa época em que a popularidade do pagode era crescente. “O tambor é a nossa identidade cultural. Hoje, vemos um reconhecimento vital que evita que se perca essa herança”, diz ele.
O samba junino não é apenas uma celebração; é um conservatório musical na periferia. Para Vagner Shrek, presidente da Liga de Samba Junino, é um espaço onde jovens aprendem a compor, tocar e cantar, promovendo a cultura local e aquecendo o comércio durante os eventos.
“Participar dos ensaios é gratuito e traz entretenimento e cultura à comunidade, especialmente para aqueles que não podem pagar por um show”, explica Shrek. O samba junino é, portanto, uma forma de resistência e afirmação identitária.
Apesar das similaridades entre os diversos estilos de samba, os irmãos Bafafé defendem a especificidade do samba junino. “Precisamos garantir a sobrevivência do nosso estilo. Não podemos misturar o que não é samba junino”, enfatiza Jorge.
Embora os desafios para a manutenção do samba junino sejam muitos, como a carência de apoio público e privado, o festival deste ano conta com um patrocínio que, embora modesto, proporciona uma nova oportunidade de celebração. “Precisamos de mais reconhecimento e investimento. O samba é nossa cultura e não podemos deixar que isso se perca”, destaca Shrek.
No entanto, um aspecto encorajador é a dedicação de pessoas como os irmãos Sacramento, que trabalham ativamente com jovens da comunidade. Eles organizam um samba-mirim para envolver a nova geração e manter viva a tradição. “Estamos formando os sambistas do futuro”, reflete Mário, que vê esperança na juventude.
O formato comunitário do samba junino não só entretém, mas também serve como uma alternativa à criminalidade. “Aqui, não existe registro de violência nos arrastões. Em 25 anos, apenas um caso foi registrado”, afirma Shrek, evidenciando o impacto positivo da cultura na vida local.
Assim, os ensaios começam em abril, preparando o cenário para um São João repleto de desfiles, shows e competições. O samba junino não apenas dá ritmo às festividades, mas também é um pilar que une e fortalece a identidade cultural da capital baiana.
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