Nos anos 1930, treze mulheres de classe média, com roupas discretas e cabelos presos, posam para uma foto. Elas são as primeiras assistentes sociais diplomadas no Brasil, todas brancas, com corações transbordando caridade. Mas no mesmo cenário, destaca-se Maria de Lourdes Nascimento, a primeira assistente social negra do país, que desafia a narrativa dominante. Para ela, o Serviço Social não é mera caridade; é uma luta por direitos em um Brasil marcado pela desigualdade e pelo racismo.
Àquela altura, o país fervilhava de movimentos políticos. Com Vargas no poder e a Frente Negra Brasileira se articulando, Maria observa que a institucionalização do Serviço Social serve para conter as mobilizações das classes trabalhadoras. Como salienta Eliane de Souza Almeida, essa era uma estratégia estatal, e a exclusão de negros e pobres estava enraizada nas práticas da época.
A cor branca era um dos requisitos para atuar na Legião Brasileira de Assistência, que propagava discriminações. As profissionais enxergavam a miséria como um desvio de conduta, enquanto negras e negros eram julgados pela hipersexualidade que a sociedade lhes impunha.
Foi nesse contexto que surgiu a Frente Negra Brasileira (FNB), uma tentativa de integração e valorização da comunidade negra. Com um Departamento de Colocações Domésticas, a FNB empoderava mulheres negras a conhecerem seus direitos, muitas vezes garantindo que sua honestidade fosse reconhecida pelas contratações.
Maria de Lourdes se lança na luta antirracista com atividades políticas, artísticas e educativas. Ao cofundar o Teatro Experimental do Negro (TEN) em 1944 e lançar o jornal Quilombo, ela deu voz à luta das empregadas domésticas. Sua coluna Fala Mulher ecoava a urgência de uma mudança no status dessas trabalhadoras.
Maria convoca mulheres negras a se unirem para transformar a realidade de submissão e exploração. Em maio de 1949, ela organiza o Congresso Nacional de Mulheres Negras, desafiando o silêncio em um tempo em que as trabalhadoras eram privadas de direitos fundamentais. “Inacreditável que em uma era de justiça social, milhares de trabalhadoras estejam em situações servil, sem proteção contra doença, gestação ou velhice”, denuncia Maria.
A durabilidade do controle e preconceito se reflete até na polícia, que fichava as domésticas como forma de proteger os ricos de potenciais roubos. A busca por leis que protegessem essas profissionais é um clamor que ressoou no I Congresso do Negro Brasileiro, realizado no Rio de Janeiro em agosto de 1950.
Maria de Lourdes Nascimento traz uma visão inovadora e destemida, contrária à moralidade conservadora que predominava entre suas contemporâneas. Suas abordagens seguiram influenciando o Serviço Social, permitindo que, na década de 1980, a questão étnico-racial começasse a ser incorporada nos currículos dos cursos da área, resultado de anos de luta dos movimentos sociais.
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