Ravengar: A ascensão e queda do barão do tráfico que desafiou o Estado

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Durante anos, Raimundo Alves de Souza, conhecido como Ravengar, foi uma sombra que percorreu os becos de Salvador, um verdadeiro fenômeno social, moldado pela ausência do Estado e pelo poder corrosivo das drogas. Seu império se estendia dos morros às noites glamourosas da elite, desafiando a política em uma trajetória marcada por violência e contradições.

Nascido em 1953, Ravengar cresceu rapidamente em um ambiente hostil, onde a infância terminava cedo. No Pelourinho, cercado por pequenos criminosos, ele alugava quartos e recolhia apostas, tornando-se uma figura respeitada na margem da lei. Era uma sombra útil, sempre presente, mas nunca vista.

A mudança de cenário econômico levou Ravengar a se tornar taxista no Alto de São Gonçalo, onde descobriu um novo filão: o tráfico. De entregador a articulador, ele transportava drogas para artistas e políticos, ganhando o respeito dos usuários como “Raimundão Brabo”. O verdadeiro apelido que codificaria seu legado, no entanto, ainda estava por vir.

Com a prisão de Zequinha do Pó, que dominava o tráfico local, Ravengar viu sua oportunidade. Estabeleceu seu império no Morro da Águia, uma área isolada, onde fundou o “Império Ravengar”. Seus seguidores, os “Soldados de Ravengar”, formavam uma estrutura militar, com comandos e patrulhamentos constantes.

O que tornava Ravengar único era sua habilidade de equilibrar medo e favores. Assim como Pablo Escobar, compreendeu que o amor comprado era tão valioso quanto a obediência imposta. Ele investia na comunidade: comprava gás, cestas básicas, reformava casas e mantinha uma creche. Em troca, recebia proteção e lealdade, enquanto a polícia recebia propinas e silêncio.

Nos anos 1990, Ravengar se reinventou como empresário da noite, investindo em bares e casas de espetáculos, dissolvendo a fronteira entre crime e entretenimento. Enquanto o público o conhecia apenas como um nome no outdoor, as autoridades o viam como um enigma intocável.

A primeira grande operação policial contra ele, em 1992, foi um fiasco, com Ravengar escapando ileso. Sua habilidade de desaparecer era notória, e a omissão das autoridades apenas fortalecia seu negócio. No entanto, a caçada se intensificou em 2003, quando o delegado Edmilson Nunes traçou um plano para derrubá-lo, descobrindo uma mansão repleta de luxos.

Mas, uma vez mais, Ravengar fugiu, demonstrando seu instinto para se antecipar aos inimigos. Contudo, seus dias estavam contados. Em 22 de fevereiro de 2004, foi capturado após uma tentativa de fuga, ferido, mas ainda com a arrogância de quem havia estado no controle. Sua mulher, Suely Napoleão, foi presa ao seu lado, marcando o fim de uma era.

Condenado a 25 anos e 11 meses, Ravengar continuou a exercer influência até mesmo atrás das grades, escrevendo seu “Código de Ética”. Em 2012, ele conseguiu liberdade condicional, mas foi preso novamente em 2017, desta vez com sua família. Ravengar faleceu em 8 de junho de 2023, em uma ironia do destino, devido a complicações de saúde. Sua morte foi discreta, mas sua lenda permanece.

Para muitos, Ravengar é visto como um vilão, mas há quem o considere um protetor, um reflexo da complexa realidade de um país onde o crime, muitas vezes, ultrapassa a eficiência do governo. Ele se torna, assim, um símbolo de um sistema falido, onde o silêncio é comprado e o poder, traficado. Ravengar pode ter partido, mas o que ele representa continua vivo nas vielas e nos morros, na incessante ascensão de novos “Ravengares”.

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