Desenvolvido por pesquisadores brasileiros, o medicamento que promete reverter traumas com lesão medular avançará para a próxima fase, após aprovação da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), com cinco pacientes em hospitais renomados de São Paulo. A polilaminina, feita a partir de uma proteína extraída da placenta, é capaz de regenerar as células da medula, devolvendo parcial ou totalmente a mobilidade dos pacientes.
O tratamento com o medicamento exige apenas uma dose, seguida de fisioterapia para reabilitação. O laboratório Cristália, ao lado da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) – que desenvolveram o medicamento –, firmou parcerias com o Hospital das Clínicas da Universidade de São Paulo (USP), para a realização das cirurgias da segunda fase da pesquisa, e da Associação de Assistência à Criança Deficiente (AACD), para o tratamento de reabilitação dos pacientes.
Ainda na primeira fase dos testes, os pesquisadores contaram com a Santa Casa e o Hospital Municipal de Itapira, cidade no interior paulista, para a coleta voluntária de placentas.
Reversão de lesão medular
A Polilaminina foi desenvolvida sob liderança da bióloga Tatiana Coelho Sampaio, do Instituto de Ciências Biomédicas da UFRJ. O medicamento promete representar uma esperança real para restauração de lesões medulares recém ocorridas, possibilitando a recuperação total ou parcial dos movimentos.
Segundo dados da Organização Mundial da Saúde (OMS), entre 250 mil e 500 mil pessoas no mundo sofrem lesão medular a cada ano. A polilaminina surge como alternativa promissora para reverter a condição que, até então, não tinha tratamento medicamentoso efetivo.
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Tratamento melhora movimento em pessoas com lesão na medula espinhal
Os tratamentos experimentais foram realizados com cerca de 10 pacientes humanos e comprovaram a eficácia e segurança do produto. Os efeitos mais expressivos são observados quando a aplicação ocorre em até 24 horas após o trauma, mas há benefícios também em lesões antigas.
Quando aplicada diretamente na medula espinhal lesionada, a substância criada a partir de uma proteína natural do corpo, chamada laminina, ajuda os nervos a se reorganizarem e voltarem a se comunicar.
A pesquisa teve início, em 2007, com a equipe da Dra. Tatiana e foi incorporada pela Cristália a partir de 2018. Em 2021, formalizou-se a parceria com a UFRJ. A polilaminina é produzida naturalmente pelo corpo no desenvolvimento do sistema nervoso e, conforme descoberta da equipe da UFRJ, pode ser obtida da placenta humana.
“É uma alternativa mais acessível e segura do que as células-tronco. Nossos estudos estão em estágio mais avançado, pois as células-tronco possuem imprevisibilidade após a aplicação”, explicou a bióloga.
Segunda fase de pesquisa
Ao Metrópoles, o vice-presidente de Pesquisa, Desenvolvimento e Inovação do Cristália, Rogério Almeida, informou que as aplicações do medicamento no contexto do estudo clínico de fase 1 serão iniciadas após aprovação da Anvisa. Segundo ele, ainda é preciso realizar o estudo clínico para poder obter os dados para entender como vai funcionar o tratamento com a polilaminina.
Por meio de nota, a Anvisa explicou que os estudos são indispensáveis para avaliar se o produto pode seguir para fase de teste em seres humanos. O órgão regulador afirma que só possuí, até o momento, os dados referentes aos estudos iniciais da fase pré-clínica (animais e laboratório).
Os testes não clínicos complementares já estão sendo realizados pelo laboratório e estão dentro das normativas regulatórias da Anvisa. Segundo o órgão, embora os resultados sejam promissores, o medicamento ainda deverá passar por outras etapas de avaliação.
A Santa Casa de São Paulo já está preparada para fazer as aplicações da polilaminina, assim que o medicamento for autorizado pela agência.
Pacientes
Os testes foram realizados em cerca de 10 pacientes que sofreram acidentes. Neles, a polilaminina mostrou bons resultados na recuperação dos movimentos e não causou efeitos colaterais. Entre esses pacientes estão um jovem de 31 anos com lesão por acidente de trânsito, uma mulher de 27 anos com lesão por queda e um homem de 33 anos com lesão por arma de fogo.
Algumas das pessoas haviam perdido os movimentos de forma irreversível e nunca mais voltariam a andar. Na fase experimental, 10 pacientes foram tratados com o medicamento, todos diagnosticados com lesão AIS A – lesão neurológica completa grave –, mediante consentimento dos mesmos e da equipe médica que os assistia.
Bruno Drummond de Freitas tinha 23 anos quando, em abril de 2018, sofreu um acidente de trânsito e fraturou a coluna vertebral na altura do pescoço, perdendo imediatamente a sensibilidade e o controle motor dos braços e das pernas. O tratamento com a polilaminina foi realizado 24 horas depois do acidente.
Com o passar do tempo e tratamento fisioterápico, o paciente foi recuperando as funções motoras e, cerca de um ano após o acidente, voltou ao hospital já andando normalmente. O prognóstico original era de tetraplegia permanente. Hoje, aos 31 anos, Bruno leva uma vida normal, sobe escadas sem auxílio e faz esportes- até pula cordas.
Durante uma crise de sonambulismo, Hawanna Cruz Ribeiro, com 19 anos na época, caiu do 3º andar do apartamento em que morava. O acidente aconteceu em 2017 e ela recebeu a dose do medicamento em 2020.
Apesar das limitações impostas pela falta de recursos para fisioterapia intensiva, Hawanna conquistou autonomia suficiente para realizar tarefas diárias, como tocar sozinha sua cadeira de passeio, alimentar-se e realizar outras tarefas cotidianas. Hoje, aos 27 anos, ela é atleta paralímpica de rugby em cadeira de rodas, representando a seleção brasileira.