No coração do comércio popular de Brasília, a Feira dos Importados, um novo produto circula ao lado de celulares e fones de ouvido. O Mounjaro, medicamento indicado para diabetes tipo 2 e que ganhou fama por seu efeito emagrecedor, é vendido de forma ilegal em bancas de eletrônicos, longe de qualquer controle sanitário.
Uma investigação realizada na feira, com câmeras escondidas, revelou um mercado clandestino estruturado. O remédio, que exige receita médica e acompanhamento, é oferecido abertamente por vendedores sem qualquer ligação com a saúde.
Nenhum anúncio, cartaz ou vitrine sinaliza a venda. A negociação ocorre no boca a boca, sustentada por indicações e confiança. Ao perguntar sobre o Mounjaro, a reportagem foi rapidamente atendida. “Quem traz é o meu cunhado. Ele que importa”, contou uma das vendedoras.
A comerciante explicou que o medicamento chega em embalagens de isopor, ao lado de gelo, e deve ser armazenado na geladeira. “A gente mesmo usa. Se não fosse de confiança, a gente não vendia”, assegurou.
Curiosamente, nenhuma pergunta sobre histórico médico, idade ou acompanhamento foi feita. A venda é direta, com preços que variam de R$ 3.500 a R$ 4.000 por caneta de 15 mg, sendo o pagamento feito via Pix. “Se levar mais de uma, eu faço mais barato. Mando o kit completo, com as agulhas de brinde”, disse a vendedora.
Aplicaçã0 ensinada na banca
Além de vender o remédio, os vendedores demonstram como aplicá-lo. “Dói nada. É só girar o clique para dar a dosagem e aplicar na barriga, no braço ou na perna”, instruiu uma das vendedoras.
A demonstração é feita de forma casual, com gestos e vídeos das redes sociais, como se explicasse o uso de um cosmético. Nenhum alerta sobre efeitos colaterais ou a necessidade de supervisão médica é mencionado.
Em algumas bancas, o produto é tratado como um artigo premium. “Tem que manter dentro da geladeira, tá?”, reforça um comerciante que também vende celulares.
A reportagem encontrou relatos semelhantes entre diferentes vendedores. A maioria afirma que o remédio é “importado” por conhecidos e de “total confiança”, um argumento utilizado para garantir a venda, apesar da falta de fiscalização.
Os comerciantes falam sobre o Mounjaro enquanto negociam eletrônicos, sem demonstrar preocupação. O produto é oferecido como mais uma mercadoria de alto valor agregado.
Regulamentação ignorada
O Mounjaro (tirzepatida) foi aprovado pela Anvisa em setembro de 2023 para tratamento de diabetes tipo 2. Em junho de 2025, a agência ampliou o uso para controle de peso em adultos, mas impôs regras rígidas de prescrição.
Desde 23 de junho de 2025, o medicamento só pode ser vendido com retenção da receita médica em farmácias autorizadas, conforme a Instrução Normativa nº 360/2025.
Essas normas visam evitar o uso inadequado, mas na Feira dos Importados, são completamente desconsideradas.
Risco à saúde pública
Especialistas alertam sobre os riscos de adquirir medicamentos fora de farmácias autorizadas. O nutrólogo Sandro Ferraz, CEO do Instituto Evollution, destaca que produtos sem procedência podem ser falsificados ou mal armazenados.
“Em locais sem fiscalização, há risco real de substâncias adulteradas, concentração incorreta ou até ausência do princípio ativo. Isso pode causar graves infecções, reações alérgicas, intoxicações ou até morte”, afirma o médico.
O uso do Mounjaro sem acompanhamento pode resultar em hipoglicemia grave, pancreatite, desidratação e perda de massa muscular. O remédio requer refrigeração constante entre 2°C e 8°C, e sua eficácia pode ser comprometida em feiras onde produtos são manuseados a temperatura ambiente.
Posicionamento da fabricante
A farmacêutica Eli Lilly reafirma que não vende o Mounjaro fora de farmácias e canais oficiais.
“A Lilly nunca comercializa Mounjaro (tirzepatida) em redes sociais, feiras ou sites. Esses produtos podem ser falsificados ou vendidos de forma irregular, colocando a vida dos consumidores em risco”, declarou a empresa.
Além disso, a fabricante afirmou que o medicamento não é fornecido a farmácias de manipulação, clínicas ou distribuidores independentes. Toda venda deve ser acompanhada de receita médica.
A reportagem procurou os vendedores na Feira dos Importados, mas não obteve retorno. O espaço continua aberto para respostas.
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