O plano diretor de 2014 e a Lei de Parcelamento de Uso e Ocupação do Solo de 2016 foram criados com a intenção de revitalizar os bairros de São Paulo. A proposta era incentivar a construção de estabelecimentos comerciais nos térreos dos prédios, conhecidos como fachadas ativas. O objetivo era tornar as ruas mais seguras e acolhedoras, evitando as muralhas frias características de algumas áreas urbanas. Para isso, incentivos como a autorização de construções acima do permitido, sem custos adicionais, foram oferecidos.
No entanto, uma década após a implementação dessas medidas, a realidade é preocupante: entre 60% e 80% das fachadas ativas estão vazias, conforme pesquisa da Associação Comercial de São Paulo (ACSP). Além disso, muitos imóveis estão sendo usados para finalidades completamente diferentes das originalmente planejadas, servindo como garantias para captação de recursos ou como ativos não utilizados por construtoras e investidores.
A pesquisa destacou que a Vila Mariana, na zona sul, tem mais de 80% de suas fachadas ativas desocupadas. A reportagem encontrou propriedades com áreas de até 600 m² avaliadas em cerca de R$ 11 milhões, enquanto o aluguel mínimo gira em torno de R$ 40 mil, tornando a locação difícil.
Salas sem infraestrutura adequada
Na Pompei, também na zona oeste, um imóvel de 210 m² próximo a uma futura estação de metrô está disponível por R$ 15.500 de aluguel. No entanto, o futuro locatário terá que instalar ar-condicionado, piso e estrutura elétrica, sem alterar a fachada do prédio, que exige letreiros discretos.
Roberto Mateus Ordine, vice-presidente da ACSP, aponta que muitos empreendimentos possuem espaços inadequados para diferentes tipos de comércio. “Clínicas, restaurantes e academias têm necessidades distintas e precisam de ambientes específicos”, explica.
Segundo Ordine, o comércio de bairro tradicional, muitas vezes afastado pela valorização imobiliária, não se conecta com esse novo modelo de fachada ativa. A maioria dos imóveis é ocupada por redes de lojas e franquias, deixando poucos espaços para pequenos comerciantes locais.
Fachada ativa em prédio na Vila Prudente, zona leste de São Paulo. (Foto: William Cardoso/Metrópoles)
Os problemas vão além da falta de inquilinos. Existem questões relacionadas a alvarás e gestão de condomínios. Ordine observa que, em alguns casos, gestores preferem manter os espaços vazios para controlar a ocupação e a comunicação visual, o que afeta diretamente a imagem dos empreendimentos e das construtoras.
Apesar dos desafios, há uma percepção positiva entre os empreendedores de que as fachadas ativas são vantajosas para os negócios e para a cidade. Contudo, mudanças precisam ser feitas para melhorar sua implementação, como uma revisão nas regras de estacionamento e na simplificação dos processos de alteração do uso dos imóveis.
Espaços com infraestrutura precária
A arquiteta Juliana Miranda, que trabalha com fachadas ativas, relata as dificuldades em relação à infraestrutura. “Os espaços normalmente vêm com uma estrutura mínima, exigindo muitas adaptações”, afirma. Ela recorda de um projeto recente em Perdizes, onde teve que criar isolamento acústico e térmico, além de modificar completamente a parte interna, elevando o piso para a tubulação de esgoto.
As adaptações podem custar a partir de R$ 150 mil, dependendo do tipo de comércio. O empresário Ricardo Leone, que abriu uma academia de jiu-jitsu na Vila Mariana, enfrentou problemas semelhantes. O imóvel foi entregue sem infraestrutura básica e ele teve que arcar com todas as adaptações necessárias.
Comércios caros e inacessíveis
A urbanista Simone Gatti critica que, embora as fachadas ativas visem reviver os bairros, sua implementação não leva em conta as necessidades locais. Muitos estabelecimentos criados são caros e fora do alcance dos pequenos comerciantes, que anteriormente ocupavam os espaços. Além disso, algumas fachadas foram transformadas em áreas comuns de condomínios, excluindo o comércio público.
Ela sugere a criação de um aluguel social para comerciantes locais que perderam seus pontos durante o processo de incorporação. “Os comércios no térreo são fundamentais para a geração de renda dos moradores”, pontua.
Perspectivas do mercado e da prefeitura
A diretora de retail do Secovi, Stephany Matsuda, acredita que a situação das fachadas ativas é complexa, com várias causas para a vacância. Ela menciona esforços para promover a integração entre incorporadores e varejistas, visando editar e melhorar os projetos oferecidos.
Já a prefeitura reforça que as fachadas ativas são incentivadas em terrenos menores e obrigatórias em terrenos acima de 10 mil m². No entanto, a administração classificou a pesquisa da ACSP como imprecisa, ressaltando que a utilização das unidades é uma prática de mercado comum entre particulares.
Apesar das críticas e dos desafios, tanto a prefeitura quanto o setor privado reconhecem a importância de ajustar a aplicação das fachadas ativas para melhorar a dinâmica urbana de São Paulo. Quais são suas opiniões sobre esse tema? Deixe seu comentário e participe dessa discussão.
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