A sociedade brasileira carrega uma herança de violência que se origina na colonização, marcada pela opressão de mulheres negras e indígenas. Essa situação não apenas persiste, mas molda as desigualdades contemporâneas, particularmente na violência de gênero, que mostra um forte viés racial.
Recentemente, dados do DataSenado, em parceria com o Observatório da Mulher contra a Violência, revelaram que, em uma pesquisa realizada entre agosto e setembro de 2023, 55% das mulheres que sofreram violência atendidas pelo sistema de saúde eram negras. Do total de homicídios de mulheres com racas documentadas, 67% eram negras.
No ambiente doméstico, a vulnerabilidade é alarmante. Entre as mulheres negras que relataram violência doméstica, 66% estão sem renda própria ou com renda insuficiente. Desses casos, 85% convivem com o agressor, situação que se agrava quando há filhos. Aproximadamente 80% dessas mães continuam morando com os agressores, e apenas 30% buscaram assistência após episódios graves de violência.
Esses números não são apenas estatísticas. Eles revelam uma cultura que remete às práticas de opressão colonial. O estupro de mulheres negras e indígenas foi um instrumento de controle e, infelizmente, as consequências dessa violência ainda estão presentes. A sociedade frequentemente ignora a gravidade da violência doméstica e do feminicídio, tornando esses problemas quase invisíveis.
Os dados exigem uma postura política firme. A violência não é resultado de falhas morais isoladas, mas sim de decisões contínuas de negligência. É necessário implementar políticas consistentes, manter orçamento adequado e garantir proteção eficiente, além de promover a autonomia econômica da população mais vulnerável. Quando o Estado falha, a violência se torna uma previsão trágica e, assim, é muitas vezes aceita.
A mudança necessária não é apenas simbólica. Ela precisa ser material e efetiva. É fundamental que a proteção ocorra antes que a violência se transforme em estatística. Isso inclui garantir renda, acesso à saúde, moradia digna e apoio jurídico e psicológico contínuo. Trata-se de um reconhecimento de que a vida dessas mulheres não deve ser vista como um mero dano colateral da desigualdade.
Se não interrompermos essa herança de forma objetiva por meio de políticas públicas efetivas e um compromisso genuíno, continuaremos a reproduzir a lógica de violência que se arrasta desde a colonização. Romper esse ciclo não é apenas um gesto de boa vontade; é uma obrigação institucional, uma responsabilidade histórica e um dever civilizatório.

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