Formar para transformar: assim foi a culminância do projeto Influxo, que ocupou a famosa praça das Maõzinhas no Comércio, em Salvador, com uma galeria de artes visuais a céu aberto, propondo uma reflexão sobre os fluxos de invasão, ocupação e desocupação que constroem as paisagens deste bairro. Integrantes do grupo, Augusto Gabriel, Karen Cristina, Laura Benevides, Tom Correia, Marise Urbano, Anna Luisa Oliveira e João Philippe participaram de uma formação de quase 7 meses para aprenderem como se tornar curadores dentro do espaço urbano.
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| Gangorra do simõesfilhense Augusto foi sucesso entre as crianças no Comércio (Foto: Marina Silva/CORREIO) |
Nesta quarta-feira (10) eles participaram de uma roda de conversa com o Zumvi Acervo Fotográfico para poder inspirar o encerramento de suas formações. Com o acervo, viram imagens do Comércio antigo, a relação do bairro com as populações negras e as transformações em sua arquitetura. Depois dessa oxigenação estética, partiram para a prática com uma série de ações que foram abertas ao público que passava por ali.
O fotógrafo Alex Oliveira convidava os transeuntes a fazerem performances para sua câmera com o fundo que construiu previamente. Augusto Leal, artista de Simões Filho, reinventou uma gangorra, à qual batizou como ‘Poder’, e fez a alegria das crianças.
O Programa de Curadoria para Arte no Espaço Público teve início em 2021, e se desenrolou em dois momentos. A primeira fase trouxe workshops virtuais sobre conceitos de curadoria, tensões sobre espaço interno e externo, exemplos de melhores práticas nacionais e internacionais, além de aspectos legais e jurídicos.
Diversos curadores e especialistas conduziram encontros, como: Max Hinderer (Bolívia/Alemanha); Folakunle Oshun (Nigéria); Christoph Stark | KITEV (Alemanha); Marina Fokidis (Grécia), Priscilla Amoni (MG), Daniel Rangel (BA); Fernanda Felix (BA); Tiago Bastos (BA); Ellen Melo (BA), Alejandra Muñoz (Uruguai – BA).
Na segunda etapa dessa formação, a turma foi dividida em dois grupos para materializar os conhecimentos da primeira fase do projeto, com a proposta de realização de duas intervenções urbanas em Salvador: nos bairros do Comércio e Rio Vermelho. Os estudantes-curadores foram divididos a partir dos locais de moradia e circulação pela cidade.
No Comércio, o mediador convidado foi o curador e artista Tiago Sant???ana; no Rio Vermelho, a mediação é da curadora e arquiteta Rose Lima. A Casa Rosa, espaço cultural no Rio Vermelho, participa como parceira, servindo de base para as reuniões deste grupo.
“A proposta foi de fazer uma aproximação entre as artes visuais e o espaço urbano, tentando educar jovens curadores sobre como fazer uma exposição de artes visuais. O Influxo é o resultado desse curso, que tem como objetivo central, primeiramente, ocupar o espaço público com obras de artes visuais, sonoras, performáticas e discutir, de fato, como ocupar o espaço urbano de forma criativa”, conta Tiago Sant’Ana.
O curador acredita que vivemos um momento muito complexo em Salvador e em todo o Brasil com relação à insegurança das pessoas em estarem nos espaços públicos – e, consequentemente, em ocupá-los. Por isso, ele acredita que a formação de artistas que possam trazer novas maneiras de ver e viver os ambientes urbanos é muito positiva e potencialmente transformadora.
“A gente tem enfrentado diversos problemas de segurança pública, que afastam as pessoas do espaço urbano por conta do medo e acredito que arte, cultura, bens culturais são uma ótima estratégia de aproximação das pessoas com o próprio espaço da cidade. Isso aqui mostra que essa praça também pode ser um espaço de criação de atividades culturais. O curador, a sua função dentro das artes visuais, é a mediação entre uma obra de arte e o público”, conta o curador.
Um dos formandos do dia, Augusto Leal bate no peito para dizer que é um artista simõesfilhense e que a rua é tudo que restou para profissionais que vêm do mesmo lugar que ele: “não temos museu, centro culutural, galerias, espaços expositivos. A rua é o que nos sobra para transformar em galeria, atelier e minha pesquisa está muito relacionada a isso”, conta.
Um dos sucessos da ação no Comércio, sua gangorra não subia e descia. Em vez disso, girava com a palavra poder ao centro. “Ela surge em Simões Filho com a ideia de ativar espaços públicos criando experiências de relacionamento entre as pessoas, com esse convite de estar ali girando”, conta.
“Inverto um pouco do sentido da gangorra, que ela gira em vez de subir e descer. A palavra poder é para pensar no tipo de relações que temos com a palavra. ?? interessante cada pessoa acessar a obra a partir de suas perspectivas, vivências, as crianças adoram e isso me interessa muito”, complementa Augusto.
Uma outra linguagem presente na ocupação foi o lambe, liderado pela fotógrafa e film maker Laryssa Machada, que faz um trabalho voltado principalmente para a causa indígena.
“?? muito importante que a arte saia de lugares hegemônicos, fechados, que muita gente não acessa e nem se sente à vontade para estar e na rua a gente cria esse diálogo. ?? interessante não só colocar a arte na rua e o mais interessante de fazer lambe é ver pessoas perguntando, conversando, querendo saber o que é”, aponta a artista.
Diretora do Goethe-Institut Salvador-Bahia, Friederike Möschel explica que é importante a reflexão provocada pelos grupos sobre pontos que pairam no imaginário popular como expressões da Bahia.
????? uma maneira de dialogar com o espaço físico de Salvador, em toda sua vivacidade e movimento, pensando nas questões que atingem a cidade no momento presente, traçando outras ideias para possíveis futuros???, afirma.
Além do projeto Influxo, o Programa de Curadoria para Arte no Espaço público também contou com o Manifesto Vagalume, que aconteceu no Rio Vermelho.
O grupo foi conduzido pela curadora Rose Lima e propôs um videomapping, criado em parceria com o VJ Gabiru e que aconteceu de 20 em 20 minutos no Largo de Santana.
Esse grupo foi formado por por Benedito Cirilo, Jamila Reis, Ludmila Britto, Lucas Lopes, Paula Milena Lima e Roca Alencar: todos moradores do Rio Vermelho e Região.
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| Videomapping no Rio Vermelho chamou atenção e encantou quem passou pelo Largo de Santana (Foto: Ana Lúcia/CORREIO) |
Rose Lima, responsável pela orientação do coletivo, conta que a decisão para pensar os ???corpos-vagalumes??? que estão invisíveis, mas que dão luz a toda energia que vibra no Rio Vermelho, foi unânime. ???Assim, surgiu o desejo de criar uma intervenção artística que busca impactar o público, fazê-lo refletir sobre temas tão urgentes, a partir de uma narrativa sobre o bairro, sobre os corpos opacos, presenças invisibilizadas, e não a partir de uma visão espetacularizada do bairro e suas tradições populares como alegoria???, conta.
A obra de vídeo mapping foi intitulada, por VJ Gabiru, como ???A Cidade Invisível ou o invisível da cidade. Um Rio Vermelho e muitos itinerários…???. O artista e videomaker baiano também nutre um vínculo afetivo com o Rio Vermelho, como frequentador desde jovem, para momentos de lazer, ou como morador por mais de uma década, em vários endereços do bairro.



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