Humilhados e expulsos: a saga dos indígenas venezuelanos despachados da Bahia

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Indígenas venezuelanos da etnia Warao desembarcaram em Vitória, no Espírito Santo, na terça-feira (16), saídos de Teixeira de Freitas, no extremo sul da Bahia. O ônibus que os levou à cidade não teve permissão de entrar na rodoviária do município, já que a viagem não estava listada nos itinerários do terminal. A denúncia é de que o grupo teria sido mandado para o estado vizinho pela prefeitura da cidade baiana, que alegou não ter estrutura para acolher os migrantes. 

A professora e presidente da Comissão de Direitos Humanos da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes), Brunela Vincenzi, está acompanhando o grupo desde a chegada na capital capixaba. ???Sempre que eles chegam em um lugar, mandam eles embora???, afirma Brunela. 

Ainda na terça-feira, os Warao foram instalados em um abrigo provisório em Vitória. Segundo a professora, esse ir e vir entre cidades brasileiras tem sido rotina para o grupo há cerca de dois anos, segundo evidenciam documentos que os indígenas apresentaram.

???Eles entraram por Pacaraima (Roraima), na fronteira com a Venezuela. São todos documentados, têm pedido de refúgio, CPF, todos os documentos???, diz Brunela. A presidente da Comissão de Direitos Humanos da Ufes é também pesquisadora e acrescenta que já estudava a etnia Warao. Ela ainda explica que eles são um povo originário do norte da Venezuela, que viveram por muito tempo isolados da sociedade, mas com a crise humanitária no país, passaram a se deslocar. 

Pelo nível de isolamento do grupo, Brunela conta que apenas o cacique Ruben Mata fala português e outros três indígenas conseguem se comunicar em espanhol. ???Conversando com o cacique, ele falou que eles estavam em uma cidade chamada Jequié e lá a Secretaria de Desenvolvimento Social disse para eles que a cidade era muito pequena e eles não poderiam ficar lá. Em Teixeira de Freitas aconteceu a mesma coisa???, relata a pesquisadora da Ufes.

A coordenadora da Comissão de Direitos Humanos do Núcleo de Apoio a Migrantes e Refugiados da Universidade Federal da Bahia (Namir), Mariângela Nascimento, no entanto, nega a versão contada pelo cacique. Ela afirma que faz o acompanhamento dos indígenas da etnia Warao na Bahia e os chama de ???população flutuante???.

???Eles [os indígenas] ficam assim transitando o tempo inteiro. Não adianta a gente montar uma estrutura de política pública para eles, porque ficam um tempo e vão embora???, diz a coordenadora. Mariângela afirma ainda que em todas as cidades em que o Namir, junto a outras universidades públicas baianas, acompanharam esses indígenas, houve um bom acolhimento pelas prefeituras. Na Bahia, a professora ressalta que há um grande número de indígenas Warao alocados, neste momento, em Feira de Santana.

Mariângela acrescenta que aconteceu um caso similar ao de Vitória no ano passado, em que indígenas Warao deixaram a cidade de Itabuna, no sul do estado, e foram para Belo Horizonte (MG), sem avisar a partida. 

Municípios
A prefeitura de Jequié afirma que a migração para Teixeira de Freitas foi iniciativa da própria tribo e que a Secretaria de Desenvolvimento Social documentou o acompanhamento e o atendimento prestado. Em nota, a gestão diz que ainda assiste parte do mesmo grupo: 21 pessoas com interesse de também migrar para Teixeira de Freitas. 

Já a prefeitura de Teixeira de Freitas disse que não tinha comunidades indígenas na região e, por isso, a cidade não teria recursos para fornecer ???a assistência adequada a este grupo???. A gestão disse ainda que forneceu transporte para a viagem até Vitória. Segundo o município, os indígenas viajaram em veículo fretado, por pedido do grupo, que não usa ônibus comerciais com pessoas de fora da tribo. Essa seria a explicação do veículo não estar autorizado a entrar na rodoviária. 

A cidade afirmou ter notificado a Fundação Nacional do Índio (Funai) sobre a chegada do grupo no município, mas alega não ter recebido suporte do órgão. A Funai foi procurada pela reportagem e não respondeu aos questionamentos. 

De acordo com Brunela Vincenzi, a instituição não seria a mais adequada para cuidar do caso, tendo em vista que o grupo não é de indígenas brasileiros, muito menos com características identitárias próximas aos indígenas do Brasil. Os Warao se caracterizariam como refugiados.

Brunela diz ainda que a prefeitura de Teixeira de Freitas falhou  ao  não comunicar a migração do grupo Warao para a prefeitura de Vitória. ???A Secretaria de Assistência Social de Vitória disse que em nenhum momento alguém da secretaria de Teixeira de Freitas entrou em contato para avisar que esse ônibus estava vindo para cá???. 

Ainda segundo a professora da Ufes, os venezuelanos desembarcaram em Vitória por volta da meia-noite e, sem ter para onde ir, dormiram em um terreno baldio próximo à rodoviária. O que mais a deixou surpresa foi ver que no grupo havia um bebê recém-nascido, com 8 dias de vida. Dos 25 indígenas do grupo, a pesquisadora ressalta a presença de 10 crianças.

Ela acredita que os indígenas Warao querem ficar em Vitória e diz que está buscando formas de auxiliá-los para que possam se estabelecer na cidade. 

Rumo que ninguém sabe ao certo

O destino dos indígenas Warao ainda é incerto e a responsabilidade está saltando de órgão em órgão. A prefeitura de Vitória (ES), por meio de nota, disse que acionou a Polícia Federal, o Ministério da Cidadania, a Defensoria Pública da União, o Governo do Estado de Santa Catarina e o Ministério Público Federal assim que soube da chegada do grupo de 25 venezuelanos. A reportagem buscou esclarecimentos com as cinco entidades citadas, mas não recebeu retorno até a publicação desta reportagem.

A prefeitura de Vitória disse ainda que ???segue buscando alternativas legais para o caso, capazes de resguardar os direitos e garantias fundamentais dos cidadãos???. Já a Secretaria de Justiça, Direitos Humanos e Desenvolvimento Social da Bahia (SJDHDS) comunicou que teve conhecimento do caso a partir do contato da reportagem. A pasta afirma que não foi acionada pelas equipes de Assistência Social das prefeituras dos municípios de Jequié e Teixeira de Freitas e nem pelo Governo do Espírito Santo com relação aos migrantes venezuelanos. 

“A questão da migração não é de competência constitucional do governo da Bahia e sim do governo federal. Entretanto, diante da apatia do governo federal, o estado não pode ficar de braços cruzados, tendo em vista um problema tão grave. E, por isso, tem debatido estratégias para a questão, a exemplo de cursos de capacitação para profissionais da assistência social que atendem migrantes na Bahia. Essa pauta tem sido estudada conjuntamente com o Núcleo de Apoio a Migrantes e Refugiados da Universidade Federal da Bahia (Namir-UFBA)”, diz o órgão.

*Com as supervisões da chefe de reportagem Perla Ribeiro e da subchefe Monique Lôbo
**Colaborou Esther Morais

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