Tributo em Pauta: Duração razoável do processo administrativo fiscal

Publicado:

Quando ouvimos falar sobre “duração razoável do processo”, costumamos logo pensar em processo judicial. ?? muito comum associarmos tal expressão à morosidade da justiça, pois, se não ‘temos’, certamente, ‘conhecemos’ alguém que tem um processo judicial tramitando há mais de dois, cinco ou dez anos. Inúmeros são os fatores que provocam esse fenômeno tão danoso para a nossa sociedade, dentre eles, a alta litigiosidade (briga-se muito em nosso país!), o excesso dos ritos burocráticos, a ineficiência da administração pública etc. Mas, hoje, trataremos de outro processo: do processo administrativo fiscal e da sua igualmente necessária razoável duração.

 

Muitos contribuintes brasileiros vêm sofrendo prejuízos financeiros (até mesmo morais e psicológicos) decorrentes da vagarosidade da administração tributária – seja ela federal, estadual ou municipal – em proferir decisões sobre pedidos, impugnações e recursos administrativos apresentados perante as repartições fiscais de sua circunscrição. Não é incomum processos administrativos fiscais passarem anos “em análise”, enquanto os contribuintes amargam a imputação de dívida que não reconhecem (autos de infração, notificações fiscais etc) ou mesmo a privação de receberem de volta valores pagos indevidamente (pedidos de compensação, restituição, revisão de dívida etc).

 

E, estando diante desse triste cenário, é importantíssimo saber da existência de uma norma – contida no artigo 24 da Lei nº 11.457/2007 – que positiva o princípio da eficiência da administração pública, quando determina: “é obrigatório que seja proferida decisão administrativa no prazo máximo de 360 dias a contar do protocolo de petições, defesas ou recursos administrativos do contribuinte”. Ou seja, a administração pública tributária tem o DEVER de responder às provocações dos contribuintes em um PRAZO MÁXIMO DE 360 DIAS, A CONTAR DO PROTOCOLO DA PETI????O, DA DEFESA OU DO RECURSO! 

 

?? certo que o referido dispositivo se refere a processo administrativo fiscal no âmbito da Administração Pública Federal e que os demais entes da federação (Estados, Distrito Federal e Municípios) são dotados do poder de autoadministração, do qual emana competência para editarem suas próprias leis. Todavia, no contexto aqui apresentado, considerando a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, é perfeitamente possível pleitear a aplicação da lei federal de forma subsidiária, ou mesmo supletiva, nos âmbitos estadual, distrital e municipal, caso não se tenha legislação específica versando sobre o tema nas respectivas esferas ou demande complementação normativa (AgRg no AREsp nº 263635/RS; AgRg no REsp nº 1092202/DF; EDcl nos EDcl no AgRg no REsp nº 1202634/MG).

 

Note, cara leitora, que o artigo 24 da Lei nº 11.457/2007 não traz qualquer condicionante à aplicação do prazo de 360 dias. Alguns Estados e Municípios têm em seus regulamentos a previsão de prazos mais curtos – de 120, 60 e até 30 dias – para decisão de requerimentos, mas, nos casos que tivemos notícia, sempre há ressalvas quanto ao grau de complexidade da questão envolvida ou preveem a possibilidade de pedido de prorrogação pela autoridade administrativa. 

 

A legislação do Estado de São Paulo, por exemplo, prevê o prazo máximo de 120 dias para decisão de requerimentos de qualquer espécie apresentados à Administração, mas desde que outro não seja legalmente estabelecido, e excepciona processos que envolvam “questões complexas”, sem ao menos esclarecer quais seriam tais questões, o que poderia provocar o uso injustificado da exceção. Além disso, determina que, uma vez ultrapassado o aludido prazo sem decisão, o interessado poderá considerar rejeitado o seu requerimento (Lei Estadual n. 10.177/98). 

 

A Emenda Constitucional nº 45/2004 já havia erguido à categoria de direito fundamental a “razoável duração do processo”, quando acrescentou ao artigo 5º o inciso LXXVIII, que assim dispõe: “A todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação.” Vamos combinar que a conclusão de um procedimento ou processo administrativo fiscal em prazo razoável é comprovação de eficiência, moralidade e razoabilidade, o mínimo que se pode esperar da administração pública federal, estadual e municipal! 

 

A omissão da administração pública em decidir sobre os pedidos formulados pelos contribuintes viola, portanto, não apenas dispositivo legal, mas a própria Constituição Federal. A referida Emenda Constitucional atribui ao princípio da razoável duração do processo – e, consequentemente, ao princípio da efetividade – a qualidade de garantia fundamental, incluído, pois, nas cláusulas pétreas contidas da Carta Magna. 

 

A Lei nº 9.784/1999, que normatiza o processo administrativo no âmbito da Administração Pública Federal, também traz, no seu artigo 2º, a eficiência como um dos princípios norteadores da administração pública, ao lado dos princípios da legalidade, da finalidade, da motivação, da razoabilidade, da proporcionalidade, da moralidade, da ampla defesa, do contraditório, da segurança jurídica e do interesse público. 

 

E, nesse contexto, vale frisar que a decisão emanada pelo agente público deve ser devidamente fundamentada, ou seja, deve indicar os motivos de fatos e de direito que o levaram àquela conclusão. ?? o que determina expressamente o artigo 50 da Lei nº 9.784/1999, sendo um desdobramento natural do devido processo legal e da garantia fundamental à ampla defesa.

 

Pois bem, Sra. Administração Pública! Não demore mais de 360 dias para me responder e não me venha com um simples “indefiro o pedido”, “julgo improcedente a defesa”, “não conheço do recurso”! Você, agente público, deve ser eficiente na sua prestação de serviço público e, além disso, tem o dever, a obrigação de fundamentar todos os seus atos. Afinal, um contraditório amplo e irrestrito só poderá ser efetivado se o contribuinte conhecer os motivos que ensejaram a prática do ato administrativo que, de alguma forma, afetou seus interesses.

 

Nosso grande jurista Ruy Barbosa dizia que “a justiça atrasada não é justiça; senão injustiça qualificada e manifesta”. Ousando parafrasear Ruy, podemos dizer que a demora das decisões administrativas não é prestação de serviço público; senão um baita ‘desrespeito’ aos contribuintes. Devo confessar que outro substantivo me veio à mente, mas me contive, em consideração aos leitores. Sigamos!

 

O fato é que, inexistindo manifestação da Administração Pública quanto a pedido, defesa ou recurso apresentados e restando esgotado o prazo legal de 360 dias para decisão do processo administrativo, o contribuinte pode (não só pode, como deve) valer-se do Judiciário para proteger o seu direito, invocando a norma descrita no art. 24 da Lei nº 11.457/2007 – ainda que de forma subsidiária ou supletiva, quando se tratar de processos das esferas estadual, distrital e municipal, considerando a jurisprudência do STJ acima indicada – bem assim o princípio constitucional da razoável duração do procedimento administrativo, nos termos do art. 5º, inciso LXXVIII, da Constituição Federal de 1988.

 

Em decisão proferida no Recurso Especial n° 1.138.206, com status de recurso repetitivo (quando é definida tese que deve ser aplicada aos processos em que se discutida idêntica questão de direito), o Superior Tribunal de Justiça consolidou entendimento de que compete ao Poder Judiciário garantir o cumprimento do prazo estabelecido no art. 24 da Lei nº 11.457/2007 (Tema 269). E, assim sendo, não resta dúvida de que, uma vez descumprido aquele prazo de 360 dias, o contribuinte pode socorrer-se do Judiciário para garantir a imediata prática do ato aguardado, que pode até não ser o ‘desejado’, mas que, uma vez praticado, permitirá ao contribuinte seguir adiante, na busca do direito que pretende ver reconhecido. 

 

Um processo de duração razoável é medida de respeito ao administrado e prova de eficiência da Administração Pública! 

 

*Anna Tereza Landgraf é advogada e professora. Especialista em Direito Tributário. MBA em Planejamento Tributário e em Gestão e Administração de Negócios. Membro da Comissão de Direito Tributário da OAB/BA e da Associação Brasileira de Direito Tributário – ABRADT.

Comentários Facebook

Compartilhe esse artigo:

ÚLTIMAS NOTÍCIAS

MPF recomenda que empresa interrompa venda de ativos digitais de territórios indígenas e tradicionais

O Ministério Público Federal (MPF) recomendou à empresa Nemus Brasil Participações S.A, que vende ativos digitais (NFTs) de áreas da Amazônia, a interrupção da...

Conselho Nacional de Justiça prorroga prazo da pesquisa sobre assédio de discriminação no judiciário

Magistrados e servidores do Tribunal de Justiça da Bahia (TJBA), agora, têm até o dia 19 de janeiro de 2023, para responder à Pesquisa...

Entendendo a Previdência: O que é seguridade social?

O modelo de Seguridade do Social do Brasil está descrito no art. 194 da Constituição Federal que a define como: “um conjunto integrado de...