Cultura Ballroom dá protagonismo à arte alternativa e drag na noite de Salvador

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Ball, Ballrooms, Houses, Mother, Father, Voguing e cia. Palavras em inglês que são temperadas com dendê na noite de Salvador. A cultura Ballroom oferece um lugar para troca de afetos, politização e acolhimento – sendo protagonizada por uma comunidade onde há arte, cultura, dança, criatividade e clima de família.  Uma família no sentido mais amplo, acolhedor e diverso possível.

Uma das referências da cultura ballroom em Salvador é a Manifesto Bruxaria, festa que nasceu em 2019 com o nome Manifesto das Bruxas Queimadas e, como o próprio nome indica, é uma explosão de grupos que só queriam se sentir representados e felizes. Na próxima terça-feira (1), a Manifesto, ou simplesmente Mani, como é carinhosamente chamada por suas produtoras e frequentadoras, completa três anos com a Freak Chic Ball.

A noite especial comemora o Halloween no Cine Teatro Solar Boa Vista e vai contar com o público se jogando na pista de dança, uma variedade de looks e fantasias, premiações e muita alegria.

“A Manifesto surge dessa junção de pessoas, artistas que estão no cenário disrupitivo, alternativo, LGBTQIA+, que se preocupa com temas antirracistas e que fazem com que a gente se expresse de forma livre, sem opressão. A gente queria estar confortável e assim fizemos”, diz a DJ Karmaleoa, uma das produtoras da festa criada por ela e pelo fotógrafo Matheus Thierry.

Em sua 18ª edição, a festa homenageará Malayka SN, MC da noite e idealizadora do baile, que completa 8 anos de carreira, e trará também a drag soteropolitana Sfat Auermann.  Ícone punk e referência no estilo cyber drag e androginismo, Sfat já passou por diversos programas de TV desde os anos 80 e chegou a se apresentar para Madonna em um festa particular durante turnê da diva pop no Brasil.

 “Vamos viver essa noite de bruxarias com muito house, disco, techno, música eletrônica, baiana, brasileira e muitas outras delícias”, diz Karmaleoa.  Além dela, a festa terá o artista Kay Okan, com seu set especial de afrobeat, house e disco;  Adriana Prates,  que retorna para Salvador participando dessa edição com um set de house music; e Shankar, performer que entrega muita energia, pintura e dominação de fogo.

“Queríamos fortalecer outras redes, fazer com que o público clubber de Salvador se encontrasse e se divertisse tanto quanto a gente se diverte fazendo. Fora que queríamos abarcar temas que têm a ver com a gente: liberdade sexual, valorização do Nordeste. �? uma festa que abarca tudo isso e vem dando supercerto até hoje”, comemora Thierry.

O Baile vai contar com premiações em três categorias: This is my hair! Baby Vogue: Female Figure, um duelo de dança com vogue; O Grito: Canto da Sereia, uma batalha de lipsyncs (dublagem); e Salvador Horror Stories: Realismo Freak Chic, premiando o conjunto de melhor look, maquiagem e performance da noite. As ganhadoras das categorias levarão para casa prêmio em dinheiro, faixa e um kit da cervejaria que apoia o evento.
 

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(Foto: Matheus Thierry/Manifesto)

Casas de afeto 

Bailarino e produtor do Baile Banzé, Filipe Moreira, 30, deixou o jornalismo para se dedicar à dança, mas, a partir do momento em que se tornou profissional encontrou dificuldades de estar tanto com a dança em si quanto com as linguagens que tinha contato. “Não encontrava espaços, linguagem que dialogasse comigo, com meu próprio corpo físico. E via muita necessidade de me descobrir. Conversando com Ian, que é meu sócio e marido, começamos a pesquisar a cultura ballroom e foi como encontrar um mundo em nosso mundo”. Aí tudo mudou.

A Banzé é uma produção da House of Tremme, umas das “kiki houses” de Salvador: coletivos majoritariamente LGBTQIA+ que se juntam com a intenção de grandes trocas e fortalecimento mútuo. Esses espaços oferecem refúgio e oportunidades criativas para grupos sociais vistos como minorias, criando locais de acolhimento e permitindo que as pessoas possam viver todas as suas fantasias. 

Houses são espécies de grupos, famílias, a maneira como o movimento é dividido. Além da Tremme, a tríade de houses soteropolitana também é formada pela House Of Astra e a House Of Afrobapho.

As houses, ou casas, em português, eram formadas por pessoas que eram expulsas de casa, em situação de rua, desempregadas e coagidas às periferias sociais que, ao se juntarem, formavam uma uma nova família e chegavam a morar em um mesmo lugar. Hoje em dia, não é tão comum dividirem a mesma locação, mas essas redes de apoio ainda são perpetuadas e grandes houses se estabeleceram em vários lugares do mundo, como a House of LaBeija, House of Ninja e House of Extravaganza.

“A cultura ballroom é um manifesto sobre artistas que não têm espaço. Ela foi fundada por pessoas trans, travestis e afrolatinas. Sem oportunidades de chegar a diversos lugares da sociedade. Ela começou a se tornar o próprio palco de si: para artistas de roupa, maquiagem, drags, performers, dançarinos”, conta Filipe, acrescentando que essa complexidade dificultou sua chegada por aqui. 

Essa dificuldade é porque, visualmente, a cultura ballroom é muito forte. Roupas extravagantes, fogo, agonia. Disruptivo é realmente uma ótima palavra para defini-la.

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Filipe Moreira é Father da House of Tremme (Foto: João Lima)

Assim como a Manifesto, a Banzé também é uma ball. Filipe explica que esse tipo de evento ganhou notoriedade a partir do lançamento do documentário Paris em Chamas (1990), que trata da cultura Ballroom, uma prática que foi iniciada pela comunidade negra e latina LGBTQI+, nova iorquina. 

Esse mercado citado pelo produtor é construído a partir da competição por troféus, performando tudo aquilo que é usado como opressão no cotidiano. A Manifesto começa às 23h e tem ingressos à venda a partir de R$40 disponíveis no link bit.ly/manifestobruxaria2022.

Miniglossário

  • Ballroom: se refere à cultura Ballroom: um lugar de troca de afetos, conscientização, politização, acolhimento. Uma comunidade onde há arte, cultura, dança, criatividade e família.
  • Ball: o Baile, o momento de celebração da cultura, evento onde os participantes disputam os prêmios desfilando em categorias como:
  • Houses: grupo semelhante a uma família, maneira como o movimento é dividido.
  • Mother/Father: líderes das houses, responsáveis pelo acolhimento e organização.
  • Voguing: dança de rua inspirada nas poses das modelos da revista Vogue. Há três vertentes: Old Way, New Way e Vogue Femme
  • Chants: Rimas e raps que o host faz com ritmo para os participantes dançarem.
  • Butch Queen: Homem gay
  • Reading: A arte do insulto, achar uma falha no oponente e demonstrar verbalmente e exagerando. Também conhecido como Deadly Daggers.
  • Shade: Indireta, gongada, veneno, ser malvado. Quando um reading cruza a linha entre o amistoso e o mean, passa a ser também um shade. Não tem graça, apenas é um comentário maldoso.
  • Tens across the board: “Board” é a mesa de jurados, que dão as notas. Quando alguém vai muito bem, recebe tens across the board, ou seja, só nota dez.

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