Arqueólogos encontram tesouro escondido em Morro de São Paulo

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Uma parte da história de Morro de São Paulo, enterrada pelo tempo, está ressurgindo desde que arqueólogos encontraram peças dos séculos XVIII e XIX durante uma obra de iluminação. São materiais domésticos como jarros, pratos e panelas, e parte de edificações e de pavimentação do período colonial, considerados por especialistas um tesouro histórico. Foram recuperados 3 mil fragmentos, e podem existir mais.

Quem já visitou Morro de São Paulo, um dos principais destino turísticos da Bahia, notou que essa região do município de Cairu, no Sul do estado, tem vida agitada. São festas e baladas que animam o público com o que há de mais atual, e pousadas tecnológicas, com acesso a wi-fi, canais de televisão a cabo, streaming e outros serviços do mundo moderno.

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Pesquisadores encontraram estruturas do período colonial (Foto: divulgação)

Porém, os casarões em volta da Praça da Cultura ou Praça Aurelino Lima, a Fonte Grande, o Farol do Morro, a Fortaleza Tapirandú e a Igreja de Nossa Senhora da Luz denunciam que essa ponta de ilha de Tinharé tem um passado histórico rico. Em abril, foi iniciada uma obra de cabeamento subterrâneo da fiação elétrica em Morro de São Paulo, mas no mês seguinte as intervenções precisaram ser suspensas por conta dos achados.

O arqueólogo mestre e responsável pela equipe que monitorava a obra, Railson Cotias, explicou que a legislação determina que intervenções em locais históricos precisam ser acompanhadas por arqueólogos, e que no caso de Morro de São Paulo fragmentos de peças históricas foram encontradas em diversos pontos, descontextualizados, mas que a situação mudou quando muitas peças foram localizadas em apenas dois espaços.

“Encontramos dois sítios históricos, locais onde havia um número maior de elementos e que podiam ser contextualizados, que podiam ser datados. Um na Praça da Cultura e outro na Fonte Grande. A maioria das peças são utensílios de uso doméstico, como fragmentos de jarros, pratos e panelas. E há também edificações de casas do período colonial. O estado de conservação delas é regular”, contou.

Ele explicou que a equipe de cerca de dez escavadores conseguiu relacionar as peças aos séculos XVIII e XIX através da análise do material encontrado, porque existem tipos de cerâmicas que foram produzidas em determinado período histórico, bordados feitos a mão e técnicas de trabalho específicas de cada época.

“Acreditamos que seja uma lixeira coletiva, porque todas as peças estavam fragmentadas, e não encontramos material contemporâneo, como vidro e metal. São descobertas de valor excepcional. Todo mundo conhece Morro de São Paulo pelas belezas naturais, mas não relaciona com a riqueza histórica. A pesquisa arqueológica consegue fazer esse resgate e conectar o presente ao passado”, afirmou.

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Material foi encontrado na principal praça da vila (Foto: divulgação)

Próximo passo
As escavações foram concluídas na semana passada. Os fragmentos passaram por curadoria, estão sendo higienizados, e por fim, será feita uma análise para identificar a origem, o material e a função de cada peça. Um relatório também está sendo elaborado pela empresa Arqueólogos Consultoria e Pesquisa Arqueológica, responsável pelo trabalho, e será encaminhado para o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) em até 20 dias.

A estudante Amanda Lima, 24 anos, ficou empolgada com a descoberta. “Estive em Morro de São Paulo algumas vezes e fiquei encantada com as praias e as construções antigas, mas nunca tinha imaginado como seria a vida naquele lugar no tempo da Colônia, e essa descoberta estimula esse exercício. É interessante”, disse.

Em nota, a prefeitura informou que pretende usar os fragmentos em atividades educativas. “Futuramente, todo material retirado será apresentado em uma exposição itinerante pelo município de Cairu e atividades serão desenvolvidas com a comunidade”, diz a nota.

Já a Neoenergia Coelba, concessionária responsável pela obra de cabeamento subterrâneo da fiação elétrica, informou que acionou os especialistas quando identificou o material e que o serviço foi interrompido nos dois sítios para que os artefatos arqueológicos pudessem ser recolhidos, mas que segue em outras frentes.

“A obra para a instalação da rede elétrica continua em outro trecho liberado, sem prejuízo ao cronograma, que prevê a conclusão da primeira etapa no final deste ano”, diz a nota. Os arqueólogos vão acompanhar as intervenções até a conclusão definitiva da obra.

Valor histórico
O historiador e especialista em história do patrimônio Manoel Passos explicou que descobertas arqueológicas podem ajudar a compreender o passado da Bahia e do Brasil, e afirmou que os fragmentos têm caráter científico.

“São documentos históricos que sem sombra de dúvidas, ajudarão a reinterpretar a história da Bahia, cujos desdobramentos poderão afetar a própria história do Brasil. Importante é a guarda destes achados, para que a comunidade científica tenha acesso, a fim de estudá-los e socializá-los, estes novos conteúdos históricos e culturais”, afirmou.

Em 1531, os portugueses se instalam em Morro de São Paulo com o objetivo de proteger o litoral de invasões. Houve disputas com indígenas das tribos Guerés e Aimoré. A Vila foi fundada em 1535, e muitos ataques aconteceram entre as esquadras francesas e holandesas devido a localização estratégica da ilha. O local era importante para o escoamento da produção de alimentos da Bahia e esteve no centro de muitos conflitos.

Em 2020, mais de 46 mil achados arqueológicos foram encontrados durante a construção da linha de transmissão do Parque Eólico Ventos da Bahia, entre as cidades de Mulungu do Morro e Cafarnaum. Alguns meses depois, durante uma obra de requalificação no Santo Antônio, em Salvador, um acervo de dois séculos atrás foi encontrado a 1,5 metro de profundidade.

No mesmo ano, mais de 12 mil artefatos históricos foram retirados da Avenida Sete e da Praça Castro Alves. Em 2019, grilhões e cerâmicas foram encontrados durante escavações no Arquivo Público.

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