No dia 04 de outubro de 2022, o STJ, no julgamento do Agravo Regimental do Habeas Corpus n. º 752.444, validou a utilização de Prints de Tela sob o argumento de que “o magistrado singular afastou a ocorrência de quaisquer elementos que comprovassem a alteração dos prints”, destacando, ainda, a sequência lógica das mensagens como fundamento de sua validade. A decisão ainda se calcou no fato de que o acusado alegou possuir contraprova, mas deixou de apresentá-la.
Esse entendimento do STJ exige algumas reflexões acerca do critério de admissibilidade da prova digital e da estruturação das cargas probatórias no processo penal.
A evidência digital é frágil por sua própria natureza e pode ser alterada, espoliada, destruída ou completamente forjada sem deixar vestígios. O seu valor probante depende da forma como foi adquirida e preservada. Por isso, está intimamente ligado ao ambiente em que foi gerada, sendo ônus de quem a produz comprovar sua autenticidade.
Dito de outro modo, qualquer método que injustificadamente ignore o ambiente em que o documento eletrônico foi produzido e se limite a apenas extrair o seu conteúdo está fadado ao descrédito. E é justamente isso que o método de “printar a tela” faz.
O “print” não garante à prova digital três condições essenciais: (a) auditabilidade (conformidade da metodologia e dos procedimentos); (b) repetibilidade (os resultados obtidos, nas mesmas condições, devem ser os mesmos); e a (c) reprodutibilidade (equivalência de resultados por meio de instrumentos diversos) (ROSA, 2022).
Sem essas condições essenciais e sem acesso à fonte de prova, não é possível que o juízo ou as partes verifiquem a autenticidade e a integridade da evidência.
Qualquer um pode gerar ou alterar bits de forma coerentes com aquilo que se deseja provar, não sendo a sequência lógica de mensagens uma prova da autenticidade da evidência. A inobservância das normas técnicas e dos requisitos mínimos na aquisição e manuseio da evidência digital produzem uma prova defeituosa, imprestável para comprovar qualquer fato, o que, por si só, deve acarretar sua inadmissibilidade.
Nessa linha, vale destacar os ensinamentos da professora Ada Pellegrini Grinover: “no caso de produção de uma prova técnica sem a mínima observância da técnica ou método apropriado, a questão não será resolvida no plano da valoração da prova, mas o problema está relacionado à sua admissão: a prova técnica será inadmissível” (GRINOVER 2013).
Para além disso, impor a outra parte que “comprove a alteração dos prints” é transferir indevidamente o ônus probatório e exigir-lhe uma prova negativa, impossível de ser produzida. O exercício do contraditório reclama o conhecimento pleno de toda a metodologia empregada (identificação, coleta, aquisição e preservação) na produção da evidência digital e o acesso às fontes de prova (cópia forense) para que se possa aferir autenticidade e fiabilidade dos elementos de informação.
Em um processo penal democrático, regido pelo princípio da presunção de inocência (art. 5º, inciso LVII, da CF/88), provar a materialidade delitiva é um ônus que recai exclusivamente na acusação (ministério público ou querelante), pouco importando se há confissão nos autos ou que o réu tenha se comprometido a apresentar uma contraprova (exegese dos artigos 158 e 564, III, “b” do CPP). Nesse particular, é preciso relembrar que o princípio da presunção de inocência impõe outra importante regra probatória: havendo dúvida sobre ponto relevante para elucidação processual de um caso penal, a absolvição do réu é a solução jurisdicional adequada.
Embora a decisão destaque que as capturas de tela não foram os únicos elementos probatórios a respaldar a condenação, a admissão de prova digital sem a mínima observância das normas técnicas e com a inversão indevida da carga probatória estimulam a continuidade de uma cultura judicial que milita contra a construção de um processo penal constitucional e democrático.
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