Natal sem teto: moradores em situação de rua lotam Centro de Salvador

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Enrolada em um lençol, deitada no banco da praça e segurando um pedaço de pão seco. Assim tem sido os dias que antecedem o Natal da doméstica Maria Celeste de Brito, aos 60 anos. A aproximação da festa traz de volta a figura do Papai Noel e dos presentes, mas também faz crescer um fenômeno que a maioria da população prefere ignorar. O número de pessoas vivendo em mendicância e situação de rua aumenta em toda a cidade.

No relento há cerca de um mês, depois de deixar a casa em que morava de aluguel no Alto das Pombas, Maria Celeste está vivendo na Praça da Piedade, no Centro. Durante o dia, pede ajuda para sobreviver. À noite, entra na fila para pegar um prato de sopa entregue por voluntários, e quando a chuva aperta as igrejas e as marquises são a salvação.

“Eu evito ficar perto das pessoas, porque a violência está muito grande. Procuro sempre um lugar para ficar sozinha e se alguém se aproxima, eu levanto e saio. É horrível viver assim. Não desejo isso a ninguém. Um rapaz passou mais cedo e distribuiu pão, mas não consegui um trocado para comprar um café, então, estou comendo seco”, contou.

Um dia antes, a idosa sofreu uma queda, ralou a perna e machucou o olho. O presente de Natal seria voltar para Amargosa, onde mora a família dela e de onde partiu ainda menina para trabalhar em casas de família, em Salvador. “Mas não vou sem meu filho. Ele tem problema mentais e está no Caps (Centro de Atendimento Psicossocial). Ele me visita toda quarta-feira, e está perto de receber alta. Ele é músico”, contou, orgulhosa.

Eles estão por toda a parte, nas praças, nos canteiros das avenidas, na porta dos mercados, no transporte coletivo e catando latinhas pela cidade. Só não vê quem não quer. Em alguns locais a concentração é tão grande que durante o dia há brigas por pontos de atuação, e a noite existe disputa por um espaço para dormir embaixo dos viadutos.

Atualmente, um censo está em andamento para determinar a quantidade e o perfil dessa população em Salvador, mas o último estudo do Projeto Axé, realizado em 2017, apontava a existência de 14 mil a 17 mil pessoas em situação de rua em Salvador. Um cenário que foi agravado pela pandemia. O coordenador de Arte Educação do Projeto, Marcos Cândido, contou que a demanda começa a aumentar no final de setembro.

“Durante muito tempo se falou em morador de rua, mas sabemos que muitas dessas pessoas têm aquilo que o IBGE classifica como domicílios improvisados, barracas, uma casa ou locais onde eles moram ou ficam quando a chuva aperta. Muitos não dormem todos os dias na rua, mas ainda assim estão em situação de rua. É preciso ter cuidado, porque dependendo do conceito podemos tornar pessoas invisíveis”, afirmou.

A recicladora Regineide Almeida, 40 anos, por exemplo, tem onde morar, mas a situação financeira da família é delicada. Desde o dia 4 de dezembro, ela, três filhos e a neta, uma bebê de apenas dois meses, estão morando no canteiro central do Vale de Nazaré. O irmão dela é paraplégico e também está dormindo ao relento. Sentada sobre um amontoado de papelão transforado em cama, a mulher contou que cresceu nas ruas.

“Comecei a dormir na rua quando tinha de 8 para 9 anos. Minha mãe teve oito filhos e nessa época de Natal a gente ia para a rua pedir ajuda. Criei meus cinco filhos assim também. A gente não vive só de Bolsa Família e doação, eu cato latinha, trabalho nas festas, faço bicos, enfim, eu me viro, mas as coisas estão complicadas”, contou.

A família recebeu algumas fraldas, alimentos, roupas e até um carrinho usado para a bebê Brenda. “Vamos ficar por aqui até o dia 26 de dezembro. O que conseguimos de doação vamos regrando durante o mês de janeiro até o carnaval, quando começam a aparecer serviços para eu fazer. O restante do ano a gente leva do jeito que dá”, disse.

Desemprego
Atualmente, cinco famílias estão no local, mas o número cresce a cada dia. Para quem trabalha diariamente atendendo essas pessoas o censo vai confirmar o que já pode ser percebido a olho nu. A assistente social do Núcleo de Atendimento Multidisciplinar da População em Situação de Rua (Núcleo Pop Rua) da Defensoria Pública, Sandra Carvalho, explicou o cenário.

“O Núcleo realiza atendimento fixo e itinerante desde 2018 e não suspendeu as atividades nem durante a pandemia. Para quem viu o cenário antes da pandemia e o observa agora está claro que houve um aumento significativo dessa população. E a principal motivação é o desemprego”, afirmou.

Ela explicou que o desemprego empurrou parte dos brasileiros para a vulnerabilidade social e nessas condições de vida muitos recorreram à rua para conseguir sobreviver. “A maioria da população é formada por homens negros, de 25 a 45 anos, mas nessa época do ano aumentam o número de famílias com crianças”.

Apesar de o motivo que leva uma pessoa a morar na rua ser quase sempre o mesmo, as razões para elas permanecerem nessas condições mudam de caso a caso. O envolvimento com drogas, problemas familiares e dificuldade para voltar a conseguir uma renda ou alugar um imóvel são algumas das razões citadas.

Pesquisa
Em agosto, a Secretaria de Promoção Social, Combate à Pobreza, Esportes e Lazer (Sempre) firmou uma parceria com o Projeto Axé de Defesa e Proteção à Criança e ao Adolescente para a realização de um censo. A Pesquisa de Mapeamento, Contagem e Caracterização da População em situação de Rua de Salvador está prevista para ser concluída em julho de 2023.

“O objetivo é mapear, contar e caracterizar as situações de vulneração e violações de direitos vividas pela população em situação de rua, ancorada justamente na necessidade de construção e monitoramento de dados validados e confiáveis que correspondam à realidade das pessoas de diferentes faixas etárias que estão nesta situação em Salvador”, diz a pasta, em nota.

A Sempre informou também que as equipes em campo percebem o aumento de pessoas nessa situação durante o mês de dezembro, e frisou que o censo vai apresentar os dados. A pasta disse também que possui 17 unidades de acolhimento, Centro de Referência Especializado para População em Situação de Rua e Núcleo de Ações Articuladas que, em 2021, atenderam 196 mil pessoas nessas condições.

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