Brasilienses são pioneiros na importação da flor de cannabis para fim medicinal no país

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Um casal brasiliense, que mora no Uruguai, tornou-se pioneiro na importação de flores de cannabis para uso medicinal no Brasil. Camila Salles, 29 anos, e Lucas Cançado, 38, são sócios de uma empresa especializada no comércio desse tipo de produto e, com autorização da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), realizaram o primeiro envio da planta para território brasileiro, em 12 de maio.

Em 2018, os recém-formados geólogos pela Universidade de Brasília (UnB) decidiram se mudar para o Uruguai, com o objetivo de aprofundar os estudos a respeito do uso da cannabis para fins medicinais. Três anos depois, o casal teve a oportunidade de virar sócio da Meraki, situada na cidade de Lascano.

Os empresários já haviam obtido sucesso na exportação das flores para a Suíça, mas tinham um grande sonho de poder comercializar o produto para a terra natal deles. Porém, eles não esperavam que o processo seria tão burocrático, e demoraria mais de um ano.

Segundo o casal, a demora para concretar o negócio se deu por inúmeras razões, sendo que a mais importante delas é o fator novidade. Sem antecedentes, o processo burocrático de saída das flores para o Brasil teve que ser construído, e regras de companhia aérea alteradas para permitir o embarque desse tipo de material, que até então estava restrito a extratos.

“Nem nossos outros sócios acreditaram que seria possível realizar a importação para o Brasil, por conta da dificuldade. Foi um processo de educar as empresas envolvidas nesse transporte, de que seria possível. Em posse da flor, o paciente consegue fazer a inalação in natura da planta, com uma ação mais rápida do que se fosse por meio da ingestão do extrato”, detalha Lucas.

A primeira importação do produto natural para o Brasil foi para um paciente diagnosticado com ansiedade no Espírito Santo. “Os estudos demonstram que a inalação da flor é benéfica para tratar diversas condições, aliviando sintomas, tais como os de depressão e ansiedade em adultos”, destaca Camila.

O casal explica que as flores entram no país obedecendo as regras da Anvisa, como produto derivado de cannabis, por pessoa física, para uso próprio, mediante prescrição de profissional legalmente habilitado, para tratamento de saúde.

“A Meraki oferece, hoje, duas opções de flores para o envio: a Fedtonic, que conta com 14% de canabidiol (CDB) e Stormy Daniels, que tem 19% de CBD em sua composição”, ressalta Lucas. Segundo o geólogo, outro aspecto que se destaca é o custo-benefício que compensa mais do que o do extrato. “Hoje vendemos o grama por 2o dólares”, diz.

Após terem êxito em concluir a primeira importação para o país, os empresários acreditam que o Brasil está dando os primeiros passos para uma maior abertura da comercialização da planta medicinal e esperam expandir as operações cada vez mais.

“Somos uma empresa comprometida com a saúde e o bem-estar de nossos clientes, então estamos animados com esse novo caminho que se abre entre os dois países. A indústria da cannabis uruguaia cresce e amadurece a cada dia e está mais pronta do que nunca para abastecer o mercado brasileiro. Estamos ansiosos para ver como as pessoas se beneficiarão dos nossos produtos”, afirmou Camila.

Cannabis por inalação O neurocientista e professor do Departamento de Ciências Fisiológicas (CFS) da UnB, Renato Malcher, explica que o pulmão é uma via muito importante de inalação de medicamentos, visto que o remédio age de maneira mais rápida com uma dose inferior ao que seria necessário para se obter o mesmo efeito caso fosse pela ingestão.

“A planta maconha pode ser vaporizada. Para isso, extrai-se o gás que contém os componentes medicinais por meio de um vaporizador, sem que haja combustão, o que gera fumaça. Quando esse vapor chega ao pulmão, ele vai direto para a corrente sanguínea. Por isso, o efeito é praticamente imediato”, esclarece o pesquisador.

De acordo com Renato, a inalação da cannabis pode ser um aliado no tratamento de dores crônicas e quimioterapia. “O efeito sobre a dor é instantâneo. A pessoa inala uma vez a flor, espera alguns segundos e tem o efeito medicinal com o mínimo necessário”, detalha.

O pesquisador ressalta que a cannabis medicinal inibe processos inflamatórios e serve pra gerenciar qualquer sofrimento, seja ele por dor, enjoo, depressão ou ansiedade, além do manejo de epilepsias e convulsões.

“O barato da maconha que é criminalizado é equivalente ao dizer que qualquer alegria é pecado. O bem-estar psíquico é fundamental pro bem estar fisiológico. Contudo, todo remédio que tem efeito psicológico positivo tem que tomar cuidado com o abuso. Mas é importante entender que se sentir bem não é ruim”, defende.

“Existem milhares de formas possíveis de tirar benefício dessa planta. O remédio que existe na planta tem diversos componentes além do canabidiol, que é o mais conhecido. É uma planta com muita variedade, com composições diferentes. Em países mais desenvolvidos é mais comum que tenham acesso a todos os tipos de produtos médicos”, destaca Renato.

O professor da UnB acredita que o preconceito em relação ao uso da planta é uma barreira para a produção de medicamentos à base de cannabis no país. “No Brasil, quem tá salvando o atraso são associações de pacientes que passaram a produzir seus próprios extratos, com ajuda de médicos, são verdadeiros revolucionários. A regulamentação que impede de plantar, que nos impõe produtos importados fabricados é um absurdo”, pontuou.

Autorizações de uso pela Anvisa Desde 2015 até fevereiro deste ano, a Anvisa concedeu 7.306 autorizações de importação excepcional, exclusivamente para fins de uso pessoal, mediante prescrição médica, de cannabis medicinal para o Distrito Federal. Somente em 2022 foram 3608 concessões.

A unidade Federativa fica atrás apenas de Santa Catarina (7.508), Paraná (8.250), Minas Gerais (12.219), Rio de Janeiro (24.958) e São Paulo (57.698).

Atualmente, a Lei Antidrogas proíbe em todo o território nacional o plantio, a cultura, a colheita e a exploração de vegetais e substratos dos quais possam ser extraídas ou produzidas drogas, com exceção para aquelas plantas de uso exclusivamente ritualístico religioso e no caso de fins medicinais e científicos.

O custo mensal para importação do óleo varia de R$ 1,5 mil a R$ 3 mil, e algumas famílias precisam recorrer à Justiça para conseguir o direito de cultivar a planta, para fabricação do próprio remédio.

Pacientes em tratamento Gabriela Weschenfelder Ferreira, 15, nasceu com a Síndrome de Aicardi, uma doença rara e congênita que tem como uma das manifestações quadro convulsivos. Há cerca de 7 anos, a adolescente trata os sintomas com o uso de medicamento à base de cannabis.

De acordo com a professora Leila Inês Weschenfelde, mãe da paciente, antes de começar o tratamento, Gabriela tinha mais de 20 episódios convulsivos por dia. “Ela já havia usando mais de cinco medicamentos farmacêuticos para convulsão, que não faziam mais efeito. Quando introduzimos o remédio da planta, vimos uma melhora significativa em menos de 15 dias”, conta.

Após iniciar o tratamento com a cannabis, a adolescente raramente tem crises, que são imperceptíveis. “Com o tratamento, percebemos que ela voltou a interagir, consegue socializar, tem controle do tronco. Observamos também que a imunidade dela está muito boa. Apesar da síndrome, ela é uma criança saudável”, acrescenta Leila.

A família de Gabriela possui autorização da Anvisa para importar o produto dos Estados Unidos. Por mês, eles desembolsam cerca de 200 dólares para manter o tratamento, que não pode ser interrompido.

Conheça a história de Gabriela: 

A professora aposentada Carla Alves*, 66, fez uso de extratos à base de cannabis durante o tratamento contra um câncer de mama, no ano passado. De acordo com ela, a substância tinha como finalidade amenizar os efeitos colaterais da quimioterapia.

Na época, ela comprou quatros fracos de remédios, cada um deles com um composto ativo diferente. “Durante as sessões de quimio, eu perdi quase 10kgs. Não conseguia ingerir comida. Olhava pro prato e a boca trancava. Com a cannabis medicinal, eu passei a fazer cinco refeições por dia”, relembra Carla*.

A mulher, no entanto, conta que não buscou meios legais para conseguir a importação dos medicamentos. “Por conta da urgência e do valor, eu preferi fazer a compra clandestina. Além disso, não consegui a prescrição médica. Achava inviável pagar mais de R$ 2 mil”, explica.

Além de tratar a falta de apetite, os medicamentos também foram usados para amenizar o quadro de depressão da professora. “Foi surpreendente a eficácia. Fez um efeito inacreditável durante o tratamento contra o câncer, mudou tudo”, diz ela.

*nome fictício

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