Nova arma: tráfico transforma pistolas em metralhadoras na Bahia

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Fuzis e granadas não são mais novidades no cenário violento de Salvador. Agora, para aumentar o poder de fogo, facções usam um equipamento de disparo recreativo para transformar pistolas em metralhadoras. Um dos dispositivos, que pode efetuar até 10 tiros por segundo, foi apreendido com Alex Santos Calheiro, o “Tico”, de 23 anos, uma das lideranças do Comando Vermelho (CV), morto durante confronto com policiais civis, no Engenho Velho da Federação, no último dia 14. O dispositivo dá mais estabilidade às pessoas com registro de Colecionador, Atirador Desportivo e Caçador (CACs). Sabendo disso, criminosos usam o acessório em pistolas de verdade e fabricam artesanalmente outra peça, que faz com que a “armas menores” dispare “rajadas”, ao invés de uma bala por vez. “Esse tipo de armamento não é comum na Bahia. Já vi em CACs. Normalmente, é adquirido no mercado ilegal”, declarou o delegado Nilton Borba, titular da 7ª Delegacia (Rio Vermelho), unidade que investiga também as ocorrências no Engenho Velho da Federação e entorno. O “kit Roni”, como também é conhecido o equipamento, é fabricado nos Estados Unidos e chega ao Brasil através de contrabando vindo do Paraguai. A depender do tipo, uma arma, que deveria dar 15, 16, 17 tiros, com esse adaptador, passa a sua capacidade bélica letal para 90 tiros. Além de aumentar a capacidade ofensiva dos traficantes, a nova arma é 13% mais barata do que um fuzil, que custa em média R$ 50 mil, para os modelos mais comuns, apreendidos em operações na Bahia. Recentemente, a polícia encontrou em Salvador três modelos de fuzis usados na Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan) e também das Forças Armadas dos Estados Unidos (EUA), cada um no valor de R$ 80 mil. Já em sites especializados no Brasil, o adaptador é vendido entre R$ 2 mil e R$ 4 mil. A comercialização para a prática de tiro esportivo é controlada pelo Exército Brasileiro. “Mas isso não impede o comércio paralelo”, declarou sem dar mais detalhes, um policial civil, que atua no extinto Draco, hoje Departamento de Repressão e Combate à Corrupção, ao Crime Organizado e à Lavagem de Dinheiro. Apesar de a apreensão do “kit Roni” não ser comum na Bahia, no Rio de Janeiro, berço do CV, é realidade desde 2015. Em setembro daquele ano, o policial militar Caio César Inácio Cardoso de Melo morreu em confronto com traficantes do Complexo do Alemão, região controlada pelo CV, após ter sido surpreendido durante ronda e baleado no pescoço. O projétil que o atingiu saiu de um “kit Roni”, segundo a imprensa local. Além de PM, Caio César também era dublador e foi responsável por dar voz ao bruxo Harry Potter, na saga de filmes homônima, no Brasil. Segundo o especialista em segurança pública, o coronel Antônio Jorge Melo,  coordenador do Curso de Direito do Centro Universitário Estácio da Bahia, a expansão do crime organizado  através da aliança entre as facções locais e nacionais “é justamente para garantir o maior acesso à tecnologia, armamento e a droga”. “Mais cedo ou mais tarde, tudo o que acontece no Rio de Janeiro e São Paulo termina repercutindo em todos os estados do Brasil e nós não seríamos uma exceção”, pontuou. “É justamente aquela história: toda a guerra tem suas vítimas inocentes. Essas armas adaptadas, disparando rajadas, aumentam a possiblidade de termos vítimas inocentes nesses confrontos, sejam entre facções rivais, sejam com as forças de segurança”, emendou o especialista. A apreensão do equipamento em poder de “Tico” aconteceu quando agentes da 7ª DP perseguiam os responsáveis pela morte da estudante Camila Silva dos Santos, 23, vítima de bala perdida na Avenida Anita Garibaldi. No dia 12 deste mês, a jovem andava na Praça Lorde Cochrane, quando o CV, sob o comando do traficante, trocava de tiros com o Bonde do Maluco (BDM). É possível que a bala que a atingiu tenha sido de uma das rajadas efetuadas pelo traficante. “A gente vai periciar a arma para saber se foi o tiro dele que matou a vítima”, disse o delegado Nilton Borba. Com o traficante, foi encontrado também faca, munições, celulares, uma machadinha, faca, colete e certa quantidade de droga.  Tico morreu em seu 10º confronto com agentes da 7º DP na localidade do Engenho Velho da Federação, conhecida como Forno. “Ele era beneficiado pela geografia do local, que tem com vários becos e não conhecemos a região como ele. Sempre que  tentamos prender, ele buscava um local estratégico, onde conseguia fugir atirando contra a polícia, mas desta vez, levamos um efetivo maior, que cercou toda área e ele não teve chance de fuga”, explicou Borba. De acordo com o agente do Departamento de Repressão e Combate à Corrupção, ao Crime Organizado e à Lavagem de Dinheiro, com o fortalecimento em Salvador, o CV vem fazendo ataques constantes ao Bonde do Maluco (BDM). As ordens são passadas pelo “QG” da facção, no Complexo do Nordeste de Amaralina. Da localidade são detectadas as áreas que estão sob ameaça da arquirrival e é montado um esquema de revide. “Às vezes, são ataques de antecipação. Quando ficam sabendo que serão atacados, eles vão para cima primeiro. Isso vem acontecendo em Saramandaia, Tancredo Neves, Subúrbio e outras regiões. Eles montam um ‘bonde’ (grupo de traficantes armados), recrutando de outras áreas da facção e vão para cima do BDM”, disse um policial civil. Segundo o delegado Nilton Borba, o traficante Tico e o comparsa Baco, que está foragido, lideravam alguns ataques. “Eles eram do Nordeste e chegaram no Forno há cinco anos, para liderarem a organização criminosa no Engenho Velho da Federação. Desde então, comandam os ataques. Recentemente, Tico e seus comparsas saíram do Forno e invadiram o Calabar, onde atua um outro grupo. No dia, mãe e a filha foram baleadas quando voltavam para casa. Elas passam bem, mas poderia ter ocorrido coisa pior”, disse Borba. Procurado, o Exército  informou que o artigo 29, do Decreto 11.366/2023, suspendeu a venda de acessórios, dentre outros materiais afetos a Produto Controlado pelo Exército(PCE). “Desta forma, o ‘kit Roni’, que é considerado um acessório, está incluído nessa lista de suspensão”, diz trecho de nota enviada ao Correio. O posicionamento é finalizado com a informação que “nas ações fiscalizadoras realizadas nos estabelecimentos registrados junto ao Exército, não foram encontrados acessórios dessa natureza”.  O CORREIO procurou também a Secretaria de Segurança Pública e a Polícia Militar para repercutir o uso do dispositivo por traficantes, mas até o momento não houve resposta.
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