Opinião: Nossa sociedade morre também com Mãe Bernadete

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A morte de Mãe Bernadete Pacífico expõe que a proteção social de grupos minoritários no Brasil é frágil quando deixa o terreno teórico. Não houve o espaço de um mês entre o apelo por segurança da líder quilombola a ministra Rosa Weber, do Supremo Tribunal Federal, e a morte brutal, na frente dos familiares em Simões Filho. O assassinato da ialorixá traz luz para algo que a sociedade insiste em não enxergar: não cuidamos de quem precisa de cuidado.

 

A ironia do sobrenome Pacífico é uma infeliz coincidência. Não fosse a segunda tragédia abatida sobre a família – Mãe Bernadete enterrou o próprio filho em 2017 vítima também de homicídio -, talvez uma imensa maioria da população sequer soubesse da existência e da resistência da comunidade quilombola da qual a ialorixá era o rosto mais conhecido. Falhamos ao marginalizar o povo preto desde que fingimos que a escravidão acabou no país. Falhamos, enquanto nação, em permitir que lideranças como Mãe Bernadete não apenas fossem ouvidas, mas atendidas diante de um quadro ficcional de bem-estar social.

 

É inegável que os quatro anos de Jair Bolsonaro no Palácio do Planalto desestruturam políticas públicas que garantiam um arremedo para populações como a do Pitanga dos Palmares. Mas esse problema é histórico e não pode ser restrito a um desgoverno do ponto de vista social. Mãe Bernadete e seu povo lutam há muito tempo pelo direito a direitos. E o Estado brasileiro se recusa a reconhecê-los, como se houvesse classes de cidadãos que não merecem ser plenamente reconhecidos. Essa é uma questão crônica, que passamos ao largo de solucioná-la.

 

Passam governos de esquerda e direita no Brasil e na Bahia e seguimos assistindo a esse noticiário fúnebre, como uma nação que mata, enterra os seus e segue em frente como se fosse uma rotina. Não é pra ser assim. Nunca deveríamos ter iniciado essa naturalização da morte e do seguir em frente. É preciso refletir e resgatar o mínimo de civilidade para o espaço social. Que Mãe Bernadete não seja apenas mais uma vítima do Estado brasileiro. Ou que pelo menos haja alguma mobilização da nossa sociedade para enxergar que ali não morreu apenas uma liderança quilombola. Morreu também um pouco da nossa própria esperança.

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