À medida que mais pormenores da brutalidade do ataque do Hamas em Israel vão sendo conhecidos, uma incursão militar israelita em Gaza torna-se mais provável, ou mais esperada. Na verdade, na planificação do seu ataque, o Hamas deve ter-se preparado para esta possibilidade, salienta Sean Steinberg, da consultora de segurança norte-americana Soufan Center.
Mas se Gaza se tornar uma catástrofe para os civis, a boa vontade de que Israel tem beneficiado, como vítima de terrorismo, pode esboroar-se.
O Hamas preparou-se para a possibilidade de uma incursão do exército israelita?
Não seria a primeira vez que o exército israelita entra em Gaza, por isso tenho a certeza que o Hamas se está a preparar há algum tempo. Em especial, devido ao nível de planejamento demonstrado pelo ataque inicial no fim-de-semana passado e a brutalidade da violência que exerceram contra civis, tenho a certeza de que estariam a antecipar uma invasão terrestre de Gaza como retaliação.
Temos visto muitos “danos colaterais”, civis palestinianos a sofrer por causa dos bombardeamentos israelitas. Concebe alguma forma de proteger os civis?
Habitantes inocentes de Gaza sempre sofreram muito com os ataques militares israelitas. No entanto, nunca se viu, nos últimos anos, uma quantidade tão elevada de vítimas israelitas como a que resultou do último ataque do Hamas. Julgo que isto significa que, se não houver pressão do exterior, o Governo israelita vai ter ainda menos hesitações quanto aos excessos ou imprecisões da sua resposta militar.
Infelizmente, como Gaza tem uma densidade populacional tão elevada, e considerando que não há nenhuma via real para deixarem a Faixa de Gaza, não sei bem que esperança podem ter os civis de escapar à violência, a não ser que seja declarado um cessar-fogo, ou que Israel concorde em criar um corredor humanitário.
Como podem reagir outros países e milícias da região relacionados com o Irão a uma incursão de Israel em Gaza?
Para além do efeito imediato da perda de vidas de inocentes no combate entre Israel e o Hamas, há o potencial de que uma invasão a Gaza atraia mais actores para a luta e desencadeie um conflito regional mais vasto. Esse é um dos maiores receios. Já estamos a ver que são lançados rockets a partir do Líbano para Israel e Israel bombardeou o Sul do Líbano em resposta.
Se o Hezbollah [partido e milícia xiita libanesa] aproveitar esta oportunidade para se envolver mais no conflito, Israel poderá acabar a combater uma guerra com duas frentes, contra o Hamas em Gaza e o Hezbollah no Líbano. Há também o risco de que tudo isto possa ser o rastilho para violência na Cisjordânia também.
Entretanto, a Marinha dos Estados Unidos enviou um grupo de ataque de porta-aviões [uma formação operacional com cerca de 7500 militares, que pode incluir também submarinos e navios de logística] para a região, para demonstrar o seu apoio a Israel e tentar evitar que outras forças se envolvam. Já surgiram ameaças dos houthis no Iémen.
Se todas estas partes não conseguirem encontrar uma forma de fazer a desescalada, não é difícil imaginar que a situação se possa descontrolar. Infelizmente, é difícil fazer baixar a temperatura quando as emoções estão ao rubro. Temo que o desejo de vingança israelita aumente cada vez mais, à medida que surjam mais detalhes da brutalidade do ataque do Hamas.
A comunidade internacional em geral tem apoiado Israel. Mas continuará a apoiar se ocupar Gaza?
Até agora, os aliados de Israel parecem dispostos a dar ao país uma grande margem de manobra na forma como quiser retaliar. Mesmo depois de o Governo de Netanyhau ter ameaçado punir colectivamente os habitantes de Gaza – mesmo aqueles que não estão ligados ao Hamas – bloqueando o fornecimento de bens de primeira necessidade como água, alimentos, medicamentos e electricidade.
Quer Israel acabe por lançar uma invasão terrestre ou não, quanto mais tempo continuem a bombardear ou a deixar à fome pessoas inocentes, mais justificação terão os parceiros de Israel para limitar o seu apoio.
Se Gaza se tornar uma verdadeira catástrofe humanitária, Israel pode enfrentar uma reviravolta na boa vontade internacional de que tem beneficiado, como vítima de um ataque terrorista maciço. Porém, mesmo que escolha invadir Gaza, não é claro que Israel opte por ocupar o território durante um período longo. Mas, mesmo que não haja soldados israelitas em Gaza, isso não quer dizer que não possa fazer muitos estragos lá.
(Transcrito do PÚBLICO)
Comentários Facebook