“Era o que faltava”, comentou Lula com um grupo de amigos, recentemente, em conversa no Palácio da Alvorada. “Agora, querem me ensinar a governar o país”. Ele não nomeou os que querem ensiná-lo a governar. Mas isso explica sua dificuldade em ouvir críticas ou simples reparos.
Nos seus primeiros dois governos, Lula cercou-se de ministros e assessores que não tinham receio de lhe dizer certas verdades. José Dirceu de Oliveira, chefe da Casa Civil da Presidência da República, foi um deles, bem como Antonio Palocci, ministro da Fazenda.
Os dois – e outros companheiros de antigamente – foram ficando pelo meio do caminho; é a vida. Dirceu caiu durante o escândalo do mensalão do PT, a compra de votos de deputados para que aprovassem projetos de interesse do governo; acabou condenado e preso.
Palocci caiu por culpa dele mesmo. Não tinha nada que frequentar com assiduidade uma certa mansão no Lago Sul, em Brasília, onde empresários paulistas e prostitutas de luxo se encontravam para festinhas memoráveis. Sexo nos quartos, negócios nas mesas e poltronas da varanda.
Um empregado da casa viu tudo e contou a história no Congresso. Lula ainda assim quis manter Palocci no cargo. Aí foi o ministro que tocou fogo às próprias vestes ao mandar vasculhar a conta bancária do caseiro. A quebra criminosa do sigilo fiscal do caseiro derrubou Palocci.
Quem, hoje, com assento especial dentro do governo, seria capaz de bater à porta do gabinete de Lula, no terceiro andar do Palácio do Planalto, e dizer-lhe com sinceridade: “O que você está fazendo vai dar merda por isso, aquilo e aquilo outro”. Quem teria coragem para tal? Janja, com certeza.
Foi o compositor Chico Buarque de Holanda, ainda no primeiro governo de Lula, que sugeriu a criação do Ministério do Vai Dar Merda. Sairia baratinho. O ministério empregaria apenas seu titular, uma secretária e o motorista do ministro. A conta de telefone é que poderia ser alta.
Caberia ao ministro opinar sobre ideias, futuros discursos do presidente, e projetos em gestação que talvez causassem sérios embaraços ao governo. Noutras palavras: tudo capaz de dar em merda. Do ministro, se exigiria, apenas, inteligência, bom senso e capacidade de enxergar longe.
Lula recusou a sugestão. Que Chico reiterou quando Dilma Rousseff sucedeu a Lula. Dilma nunca levou a sugestão a sério, tanto que, sem necessidade, travou uma guerra de cabides de roupa com sua camareira. A camareira perdeu o emprego. Mais tarde, Dilma perdeu o mandato.
O ministro do Vai Dar Merda, se de fato levado em consideração, teria evitado que Lula comparasse a mortandade dos palestinos em Gaza com o Holocausto dos judeus na Alemanha nazista. Lula poderia ter criticado a mortandade em Gaza sem compará-la com nada.
O ministro do Vai dar Merda teria evitado que Lula, na reunião ministerial de ontem, se referisse a Bolsonaro como um tremendo “covardão”, que não teve coragem de dar o golpe que planejou e sempre defendeu abertamente. Por que essa obsessão de Lula com Bolsonaro? Ele será preso.
Bolsonaro não foi covarde. Faltou-lhe apoio para fazer o que queria. Mas tentou até o último dia do seu governo. Ao chamá-lo de “covardão”, Lula diminui o papel de Bolsonaro na trama do golpe, e se credencia a ser convocado a depor como testemunha de defesa dele. Neste país, tudo é possível.
Ser presidente da República pela terceira vez tem suas vantagens e desvantagens. Mas Lula não pode simplesmente achar que é um filme, a essa altura, entediante, que ele assiste pela terceira vez. Assiste porque quer, ora. Cada vez é cada uma, e o final de um filme sempre pode ser alterado.
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