Lula, Roberto Campos Neto, o uísque japonês e o déficit fiscal

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Parece ser uma questão de pele o que os separa, muito mais do que apenas ideologia e pontos de vista diferentes sobre política econômica. Mas bem que os dois tentaram se aproximar.

A primeira vez que Lula se reuniu com Roberto Campos Neto, presidente do Banco Central nomeado por Bolsonaro, foi na fase de transição entre o governo que saía e o que chegava.

Pouco ou nada vazou sobre o que conversaram. Empossado, Lula passou a fazer duras críticas a Campos Neto e à condução pelo Banco Central da política monetária e da taxa básica de juros.

Por obra e graça do ministro Fernando Haddad (PT), da Fazenda, em 27 de setembro do ano passado, Lula concordou em receber Campos Neto em audiência no Palácio do Planalto.

De novo, nada vazou sobre o que conversaram. Lula, porém, parou com suas críticas ao banqueiro e no dia 21 de dezembro o recebeu na Granja do Torto para um churrasco de confraternização.

Uma das residências oficiais do presidente da República, a Granja estava repleta de ministros e de políticos de vários partidos. A festa era embalada por um trio feminino de forró pé-de-serra.

A ministra da Cultura, Margareth Menezes, até deu uma canja. A certa altura da festa, Lula chamou Campos Neto para uma conversa a sós e abriu-a perguntando:

“E esse negócio de dólar alto? Isso pode acabar com meu governo?”

Campos Neto respondeu:

“Não, presidente. Nossas reservas são muito altas. Quando o preço do dólar aumenta, aumenta o valor das nossas reservas”.

“Então, por que ninguém me disse isso antes, porra?” – reclamou Lula. Em seguida, mudou de assunto e anunciou:

“Para selar nossa amizade, vou lhe servir o melhor uísque do mundo. É japonês. Quem me deu foi o príncipe do Japão”.

Um garçom encheu os copos de uísque, entregou aos dois e retirou-se. Lula e Campos Neto bateram os copos e beberam. E Lula fez uma pergunta que surpreendeu Campos Neto:

“E aí? Você quer ser político?

Antes de responder, Campos Neto tomou mais um gole. E disse:

“Não, presidente. Esse é meu período de vida que jamais esquecerei. Nunca ganhei tão pouco dinheiro, mas nunca fui tão feliz”

Na semana passada, homenageado por empresários paulistas, Campos Neto disse ser contra Tarcísio de Freitas (Republicanos) candidatar-se a presidente em 2026.

Ele acha que Tarcísio deveria ser candidato a governar São Paulo pela segunda vez. Admitiu, porém, que se ele disputar a vaga de Lula, topa ser seu ministro da Fazenda.

O troco de Lula foi dado ontem, diretamente da Itália, onde Lula participou de mais uma reunião do G7, o grupo de países mais industrializados do mundo. Sobrou também para a imprensa.

Provocado a falar em uma entrevista coletiva sobre ajustes na política fiscal do seu governo, Lula afirmou:

“Eu já vivi isso muitas vezes. Acontece que estamos, cada vez mais, reféns de um sistema financeiro que praticamente domina a imprensa brasileira. Ou seja, a questão do déficit fiscal aparece na primeira página, na segunda, na terceira. Ninguém fala da taxa de juros, de 10,25%, em um país com inflação de 4%.”

Repetiu e emendou:

“Ninguém fala. Pelo contrário: faz uma festa para o presidente do Banco Central, em São Paulo. Os que foram na festa devem estar ganhando dinheiro com a taxa de juros, normalmente. […] Tem muito dinheiro na mão de poucos e pouco dinheiro na mão de muitos. Quando a gente reverter isso, vai perceber como o Brasil vai melhorar de forma extraordinária”.

Campos Neto não gostou do uísque japonês que Lula lhe serviu. Não foi o Príncipe do Japão que deu o uísque de presente a Lula. Mas essa já é outra história.

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