Quando a tragédia se abateu, eu desfrutava de uma vida repleta de riquezas e felicidade. A chuva caía suavemente, deixando o asfalto úmido. Naquele momento mágico, eu me sentia em êxtase, viajando no carro com meu pai ao volante, minha mãe ao meu lado e meu irmão no banco de trás. Tudo o que eu valorizava estava ali, dentro daquele veículo, guiado pelo homem mais poderoso que eu já conheci.
O automóvel era novinho, um Opala reluzente, equipado com um rádio capaz de sintonizar uma estação de rádio, talvez a Rádio Nacional da Amazônia. A última canção que ecoava pelos alto-falantes era o sucesso “um gato preto cruzou a estrada…” dos Secos & Molhados, fazendo a trilha sonora daquele momento único.
A rodovia Belém-Brasília se estendia diante de nós, um caminho retilíneo e interminável, ainda cercado por áreas florestais e pequenas comunidades que pontuavam a estrada. À esquerda, um arco-íris se formava majestosamente, com suas sete cores vibrantes contra as nuvens, prometendo potes de ouro que eu não desejava nem precisava. Tudo o que importava para mim estava ali: meu pai, minha mãe e meu irmão. Éramos uma família unida. Exceto por breves visitas a parentes distantes em outras cidades, meu tesouro cabia naquele carro.
A última coisa que ouvi foi a voz preocupada da minha mãe, exclamando: “O que foi isso, Isaías?”. Em um piscar de olhos, tudo mudou. Meu corpo foi arremessado como se estivesse em uma montanha-russa desgovernada. A única imagem que vi foi o meio-fio dançando como se também estivesse se divertindo, mas aquilo era o início de um terrível pesadelo.
Despertei no banco de trás do carro, ouvindo a voz tranquila do meu irmão de 6 anos. Olhei pela janela e o vi ileso, brincando no barranco de pedras, enquanto ao seu lado, minha mãe estava sentada, vestida de sangue. Não avistei meu pai em nenhum lugar.
Do interior do veículo capotado, veio a certeza avassaladora de que ele havia partido. Foi como se a própria morte me revelasse a trágica notícia.
Em meio ao caos, desci do carro, apanhei sua pasta, contendo documentos e dinheiro, e subi o barranco. Não havia sangue em mim, nem dor, nem desespero – apenas um vazio angustiante.
Chegando à rodovia Belém-Brasília, iluminada pela recente chuva, caminhei pela pista, sobre a faixa amarela, sem noção do tempo. Avistei um grupo se aproximando em um pau-de-arara e anunciando um acidente. Eu sabia, no fundo do meu ser, que meu pai se fora.
Passadas cinco décadas, restaram apenas eu, a estrada e o rio que corria além dela – um eterno retorno ao ponto de partida.
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