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Quarenta anos de democracia (por Cristovam Buarque)

Neste ano, celebramos os 30 anos desde a implantação do Plano Real, e em 2025 alcançaremos quatro décadas do mais longo período democrático em nossa República. Após duas décadas de intensa luta contra a ditadura, que incluiu manifestações nas ruas, exílio, atuação no parlamento e a batalha frustrada pela eleição direta, as forças democráticas se uniram em consenso para eleger um presidente civil. Esse momento histórico também marcou a convocação de uma constituinte, a anistia, o fim da censura e a liberação de partidos. Os setores progressistas se movimentaram em direção ao centro ao aceitarem a eleição indireta, enquanto os conservadores concordaram em derrotar o candidato ligado à ditadura. Mesmo dentro dos grupos militares, houve convergência para o grande acordo nacional que proclamou “basta de ditadura”, “anistia já”, “constituinte” e “tortura nunca mais”.

O fim da ditadura foi resultado de um consenso sem precedentes na história política do Brasil, superando até mesmo aquele alcançado durante a Abolição da Escravidão e a Proclamação da República. Após o falecimento do candidato Tancredo Neves, arquiteto desse consenso, antes de assumir a presidência, a democracia uniu as mais diversas forças políticas em torno do presidente José Sarney. Sarney demonstrou fidelidade e capacidade ao liderar os acordos necessários para consolidar a democracia, promovendo a liberdade de organização partidária, o fim da censura, a retomada de relações internacionais sem viés ideológico, a convocação e funcionamento da Assembleia Nacional Constituinte e a promulgação de uma nova Constituição. O país vivenciou um cenário político de diálogo entre todas as correntes, sem radicalismos, com líderes dotados de lucidez, bom senso e desprendimento, priorizando os interesses nacionais e a construção da democracia. A liderança de José Sarney, ao lado de figuras como Ulysses Guimarães, foi fundamental para esse processo de união em prol da democracia e do Brasil.

O primeiro motivo de comemoração ao completarmos 40 anos de democracia é reconhecer o papel dos líderes que conduziram o consenso e os avanços conquistados nos setores de assistência social, abertura comercial, estabilidade econômica, avanços na educação e no sistema de saúde.

O segundo motivo é alertar para a fragilidade da democracia diante das atuais dificuldades das lideranças políticas em estabelecer objetivos comuns que transcendam os interesses partidários e corporativos, necessitando assim de novos consensos. Nas últimas décadas, o Brasil enfrentou dois processos de impeachment, pelo menos uma eleição cujo resultado foi questionado e vive um momento em que líderes políticos colocam interesses eleitorais e partidários à frente da busca por consensos que beneficiem a todos e garantam um futuro próspero para todos os cidadãos.

O orçamento público parece ter sido transformado em um meio de busca por ganhos eleitorais ou financeiros por parte dos líderes políticos. A busca por consenso na prática democrática é fundamental, ao invés do atual cenário de extremismos, onde cada grupo busca se apropriar até mesmo daquilo que deveria ser discutido de forma unificada.

Outro ponto a ser considerado é a relação da democracia com a população e a nação, e a necessidade de saldar as dívidas existentes. A implementação de estratégias para eliminar a pobreza, reduzir a desigualdade, garantir um sistema educacional público de qualidade e equitativo em todo o país, combater a violência e promover a convivência pacífica, quebrar o corporativismo e fortalecer um propósito nacional comum, são todos desafios que a democracia brasileira ainda enfrenta.

Embora os primeiros 40 anos de democracia no Brasil tenham trazido conquistas significativas, é evidente que meio século não foi suficiente para consolidar plenamente o sistema democrático. Mais do que acordos políticos, é essencial utilizar a democracia como ferramenta para implementar as reformas necessárias. Dessa forma, será possível libertar o Brasil da armadilha da renda média, erradicar a pobreza, combater a corrupção, eliminar privilégios e transformar o país em um centro de excelência em diversos campos, que vão desde a produção de alimentos até o desenvolvimento de conhecimento, ciência, tecnologia e cultura.

*Cristovam Buarque, antigo senador, governador e ministro, reflete sobre a importância de encarar esses desafios para o futuro da democracia no Brasil.*


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