A corrida presidencial nos Estados Unidos começou com Joe Biden e o atentado a Donald Trump e terminou com Kamala Harris e a morte do esquilo Peanut.
O esquilo Peanut era uma celebridade nas redes sociais. Seu dono, Mark Longo, do estado de Nova York, cuidava de Peanut desde que a mãe do esquilo morreu atropelada sete anos atrás.
Nos vídeos que Mark Longo postava no Instagram e no TikTok, os dois protagonizavam cenas ternas e divertidas de amizade entre um ser humano e um animalzinho. Havia ainda um guaxinim chamado Fred, igualmente resgatado pelo rapaz. Inspirados pelo esquilo, Mark Longo e a sua mulher, Daniela, abriram um refúgio para animais.
Peanut também servia para fazer o marketing dos vídeos pornográficos estrelados pelo casal no site Only Fans, onde Mark Longo se apresenta como “Pai do Esquilo”.
Os vídeos de Peanut chamaram a atenção do Departamento de Conservação Ambiental de Nova York, que afirma ter recebido denúncias anônimas. Fiscais bateram à porta de Mark Longo. Como ele não tinha permissão para cuidar de animais selvagens, Peanut e Fred foram apreendidos. Não adiantou o rapaz dizer que eram seus bichos de estimação.
Peanut e Fred tiveram um final trágico: foram sacrificados porque o esquilo mordeu um funcionário da repartição. A justificativa é que: eles poderiam estar com raiva. História mal contada.
A campanha de Donald Trump se apropriou do destino lamentável de Peanut para dizer que ele foi morto desnecessariamente por burocratas das hostes democratas em Nova York, estado governado pelo partido de Kamala Harris. Elon Musk postou no X que Peanut era um jedi, como os da saga Star Wars: mais forte morto do que vivo.
Para os republicanos, a morte de Peanut (e de Fred) é exemplo do excesso de Estado na vida das pessoas. Como a comoção é grande, o New York Times, que fez campanha para Kamala Harris, tentou despolitizar o episódio na reportagem “Como a morte de um esquilo famoso se tornou um grito de comício republicano”, da qual tirei as informações acima.
Ao ler sobre Peanut, pensei que a grandeza dos Estados Unidos está também no que é aparentemente pequeno, até mesmo ridículo. Porque em cada canto da vida, por menor e pitoresco que ele seja, o embate entre liberdade individual e governo se faz presente entre os americanos.
Explico: é também nesse embate que eles construíram a nação mais poderosa e fascinante que jamais existiu. É por meio desse embate que os Estados Unidos podem purgar-se dos seus pecados, em um processo contínuo de autorregeneração inédito na história da humanidade.
No excelente A History of the American People, um catatau de quase mil páginas (incluindo as notas), publicado na antessala do século XXI, o historiador britânico Paul Johnson escreveu que a história americana levanta três questões fundamentais.
A primeira é “se uma nação pode se elevar acima das injustiças das suas origens e, por seu propósito moral e desempenho, expiá-las? Todos as nações nascem na guerra, na conquista e no crime, geralmente escondidos pela obscuridade de um passado distante. Os Estados Unidos, desde os seus primeiros tempos coloniais, ganharam seus títulos de propriedade em meio ao calor da história registrada, e as manchas estão lá para todos verem e reprovarem: a desapropriação do povo indígena e a garantia da autossuficiência por meio do suor e da dor de uma raça escravizada. Nas balanças da história, tais erros graves devem ser compensados pela construção de uma sociedade dedicada à justiça e à igualdade. Os Estados Unidos fizeram isso? Ele expiou os seus pecados de origem?”
A segunda questão, para Paul Johnson, fornece a chave para a primeira: “No processo de construção da nação, os ideais e o altruísmo — o desejo de erguer a comunidade perfeita — podem ser misturados de maneira exitosa com a cobiça e ambição, sem as quais nenhuma sociedade dinâmica pode ser construída? Os americanos acertaram na mistura? Eles forjaram uma nação onde a justiça predomina sobre o necessário interesse pessoal?”
Por último, o historiador britânico lança a seguinte pergunta: “Originalmente, os americanos almejavam construir uma ‘Cidade sobre a Colina’ que fosse de outro mundo, mas se viram projetando uma república do povo que fosse modelo para o planeta inteiro. Os seus propósitos audaciosos foram alcançados? Eles realmente se provaram exemplares para a humanidade? E eles continuarão a sê-lo no próximo milênios?”
Uma nação sobre a qual se pode perguntar tudo isso já se diferencia de todas as outras, independentemente das respostas a ser obtidas. Tenha em mente essa diferença intrínseca ao acompanhar a apuração das eleições americanas, por mais que ela pareça confusa demais, torta demais, para um país que se quer modelo. Quanto ao resultado, nem Donald Trump, nem Kamala Harris, nem ninguém que lhes está por trás, são capazes de destruir os Estados Unidos da América. Porque lá até a morte de um esquilo mostra a sua grandeza. RIP Peanut.
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