A terceira maior cidade do interior do Espírito Santo, com mais de 130 mil habitantes, está de novo no centro das atenções da Justiça. Uma liminar concedida pelo ministro Humberto Martins, presidente do Superior Tribunal de Justiça, agora à noite, determinou o imediato retorno de Daniel Santana, o Daniel da Açaí, ao comando da Prefeitura de São Mateus, no Norte do Estado. Ele foi afastado por decisão do 2º Tribunal Federal, depois de investigação da Polícia Federal terem apontado desvio de mais de R$ 35 milhões dos cofres municipais, através de licitações fraudulentas.
Depois de conceder a liminar, o ministro abriu vistas para o Ministério Público Federal, que poderá pedir a reconsideração da decisão com base nas apurações da Polícia Federal, que apontaram desvios de recursos federais que deveriam ser utilizados no enfrentamento à pandemia de Covid.
Daniel, reeleito em 2020 pelo PSDB, mas atualmente sem partido, foi preso na manhã do dia 28 de setembro deste ano durante uma operação realizada pela Polícia Federal com o objetivo de desmantelar uma organização criminosa que atua no Norte do Espírito Santo, com possíveis ramificações no Sul da Bahia. No dia 1º de outubro, foi determinado seu afastamento do cargo por 180 dias.
Além do prefeito, também foi presa na Operação Minucius a controladora municipal e chefe de gabinete da cidade, Luana Zordan Palombo, e ainda João de Castro Moreira, apontado pela investigação como operador do prefeito, e os empresários Edivaldo Rossi da Silva, Yosho Santos, Gustavo Nunes Massete e Caio Faria Donatelli.
No dia 7 de outubro, Daniel foi solto, em ato do desembargador Marcello Ferreira de Souza Granado, relator do caso no Tribunal Regional Federal da 2ª Região (TRF-2), juntamente com a chefe de gabinete, Luana Zordan Palombo, e os empresários Caio Faria Donatelli, Yosho Santos e Gustavo Nunes Massete e João de Castro Moreira, o ??João da Antártica?.
Apesar de liberado, Daniel da Açaí continuou afastado do cargo, ocupado depois da prisão pelo vice-prefeito, Ailton Cafeu (Cidadania). A todo o grupo, a Justiça determinou o afastamento das funções; a suspensão e entrega de passaportes; suspensão temporária da possibilidade de fazer contrato com o poder público; e a proibição de frequentar os prédios da Prefeitura de São Mateus.
HABEAS CORPUS: Há sete dias, em 14 de dezembro, Daniel teve, liminarmente, negado pelo próprio ministro Humberto Martins o pedido de retorno à Prefeitura, mas sua defesa entrou com agravo regimental contra a decisão do ministro com novos argumentos, agora acolhidos para deferimento de liminar de cumprimento imediato.
A defesa de Daniel Santana impetrou habeas corpus com pedido de liminar em que se aponta como autoridade coatora o Tribunal Regional Federal da 2ª Região, por decisão monocrática prolatada pelo Desembargador Federal relator do Inquérito Policial n. 5014580-54.2020.4.02.0000, instaurado em 6/11/2020 para apurar a atuação de suposta organização criminosa voltada à prática de crimes contra a administração pública e lavagem de dinheiro.
Diz o despacho do ministro Humberto Martins que a defesa alega a ocorrência de constrangimento ilegal e que argumenta, em suma, a incompetência da Justiça Federal para atuar no caso, tendo em vista os fatos objeto do Inquérito Policial n. 5014580- 54.2020.4.02.0000/TRF2, que já são objeto de idêntica apuração em curso sob a competência da Justiça Estadual do Espírito Santo, instância em que já estão sendo analisados e devidamente encaminhados tais procedimentos a partir do Inquérito Civil MPES n. 2019.0003.8561-68, que desencadeou no Procedimento de Investigação Criminal (PIC) n. 2019.0037.9050-36, instaurado em 12/12/2019.
Requereu, portanto, a concessão de medida liminar para determinar a imediata remessa dos autos do Inquérito Policial n. 5014580-54.2020.4.02.0000 e demais ações correlacionadas ao Tribunal de Justiça do Estado do Espírito Santo, onde deverão prosseguir até o trânsito em julgado da ação.
No mérito, os advogados de Daniel requereram a concessão da ordem para reconhecer definitivamente incompetência absoluta do Tribunal Regional Federal da 2ª Região, determinando-se a remessa definitiva dos autos do Inquérito Policial n. 5014580-54.2020.4.02.0000 e demais ações correlacionadas para o Tribunal de Justiça do Estado do Espírito Santo.
Diante disso, o ministro disse em sua decisão, que sai publicada na edição desta quinta-feira (23) do Diário Oficial do STJ, que, ??no caso sob análise, verifica-se que os fatos que levaram ao afastamento do paciente das funções inerentes ao cargo de prefeito do Município de São Matheus (ES) estão sendo apurados em dois procedimentos investigatórios distintos, quais sejam, o Inquérito Policial n. 5014580-54.2020.4.02.0000 (em tramitação no Tribunal Regional Federal da 2ª Região) e o Procedimento de Investigação Criminal (PIC) n. 2019.0037.9050-36 (conduzido pelo Ministério Público do Estado do Espírito Santo)?.
E prossegue: ??Quanto à alegação de incompetência da Justiça Federal, entendo inviável, neste momento de cognição sumária, firmar a existência ou não de interesse da União no feito, o que demandaria uma acurada análise acerca da origem das verbas supostamente desviadas. Não obstante, tendo sido constatada a dualidade de procedimentos para a apuração dos fatos em epígrafe, o primeiro conduzido pelo Ministério Público do Estado do Espírito Santo e o segundo sob a presidência de desembargador federal integrante do Tribunal Regional Federal da 2ª Região, entendo que a medida cautelar de afastamento do chefe do Poder Executivo Municipal, antes mesmo de definida de quem seria a atribuição para conduzir a necessária investigação ou mesmo do oferecimento de denúncia pelo titular da ação penal, possui o potencial de configurar indevida intervenção do Poder Judiciário no mandato eletivo democraticamente conferido ao paciente?.
De acordo com a decisão, ??o afastamento cautelar de detentor de mandato eletivo por suspeita de prática de crimes é medida excepcional que depende da demonstração robusta e inequívoca de que há cometimento de ilícitos aptos à condenação, tendo em vista a necessidade de estabilidade institucional da municipalidade e do regular funcionamento de sua gestão administrativa?.
Argumenta ainda o ministro: ??Importa ressaltar que o exercício do múnus público do cargo de prefeito não pode se apresentar fragilizado diante de meras notícias de prática de fato criminoso ainda sob investigação e que nem sequer redundaram ainda no oferecimento da competente ação penal. Não se deve permitir que o afastamento de cargo eletivo possa configurar eventual antecipação da cassação do mandato, sem o exercício efetivo do contraditório e da ampla defesa na fase da instrução processual, o que seria incoerente com o respeito à decisão soberana tomada pelo povo no exercício democrático do voto, que não pode sofrer intervenção judicial sem um lastro probatório robusto?.
Depois de citar precedentes, o ministro é taxativo: ??Ante o exposto, concedo parcialmente a liminar requerida, para suspender os efeitos da decisão de afastamento do paciente DANIEL SANTANA BARBOSA das funções públicas inerentes ao cargo de Prefeito do Município de São Matheus (ES), determinando o seu imediato retorno ao exercício do mandato até o julgamento de mérito do presente writ. Comunique-se com urgência ao Tribunal Regional Federal da 2ª Região, solicitando-lhe informações, que deverão ser prestadas preferencialmente por meio de malote digital e com senha de acesso para consulta ao processo. Após, dê-se vista ao Ministério Público Federal?.
O CASO: A prisão de Daniel Santana e as demais pessoas deu-se em 28 de setembro. Atualmente, corre na Câmara de Vereadores um pedido de impeachment contra o prefeito, mas observadores salientam se já não havia boa vontade dos legisladores municipais de afastarem Daniel, agora, com a decisão do ministro, o processo não deverá prosperar. Será fácil para o grupo de apoio de Daniel argumentar que é preciso esperar o julgamento no Tribunal de Justiça do Espírito Santo, conforme determinado pelo STJ.
Dinheiro vivo apreendido pela Polícia Federal com Daniel no dia de sua prisão: recursos seriam oriundos de contratos fraudulentos
Segundo a Polícia Federal, foram obtidas provas que indicam que o prefeito, desde o seu primeiro mandato (entre 2017 e 2020) e até no atual (desde o início deste ano), organizou um modelo criminoso estruturado dentro da administração municipal para cometer vários crimes, como o direcionamento fraudulento de licitações. O valor dos contratos celebrados pelo município com as empresas investigadas chega ao valor de aproximadamente R$ 50 milhões.
Foram cumpridos sete mandados de prisão temporária e 25 de busca e apreensão, em residências e empresas dos municípios capixabas de São Mateus (19), Linhares (6) e Vila Velha (1).
Os policiais apreenderam R$ 437.135 em espécie na casa do prefeito. Mais R$ 299.910 mil foram encontrados em uma empresa de Daniel e R$ 56.250,00 estavam na casa de uma servidora pública. Em uma das salas do gabinete do prefeito foram encontrados documentos destruídos.
Ainda de acordo com a PF, as investigações se iniciaram após o recebimento de denúncias sobre dispensa ilegal de licitações com a exigência de percentual de propina sobre o valor das contratações públicas. Segundo as investigações, o esquema contava também com distribuição de cestas básicas como forma de apaziguar a população em relação aos atos ilícitos.
Algumas dessas licitações contavam com verbas federais que deveriam ter sido aplicadas no combate à pandemia da Covid-19, de acordo com a PF. De acordo com superintendente da Polícia Federal no ES, Eugênio Ricas, a organização criminosa agia junto com empresas, fraudava licitações e desviava recursos públicos.
Segundo a PF, Foi constatado o direcionamento fraudulento de licitações nos segmentos de limpeza, poda de árvores, manutenção de estruturas e obras públicas, distribuição de cestas básicas, kits de merenda escolar, aluguel de tendas, entre outros.
As informações iniciais também indicaram que uma vez que empresas ligadas ao esquema ??venciam? as licitações, estabelecia-se um valor a ser pago aos agentes públicos que variava de 10% a 20% do valor do contrato. Como forma de não gerar perdas aos empresários, a entrega de bens e serviços era identicamente reduzida, na proporção das propinas pagas.
Entre as empresas ilegalmente beneficiadas pelo esquema ilícito, há empresas do próprio prefeito, que, segundo a PF, se valia de sócios de fachada para ocultar sua verdadeira condição de proprietário.
Com autorização da Justiça, a polícia quebrou o sigilo telefônico dos suspeitos. Em uma conversa, uma funcionária da prefeitura estaria combinando com o gerente de uma agência bancária um depósito, proveniente de pagamento superfaturado. O dinheiro foi repassado para uma empresa ligada ao prefeito, segundo as investigações.
Em razão da grande quantidade de mandados a serem cumpridos, de acordo com a PF, a operação contou com a participação de aproximadamente 85 policiais federais vindos de outras unidades do país, além da presença do procurador Regional da República e de servidores da Controladoria-Geral da União (CGU). (Da Redação com informações do STJ e da Polícia Federal)
Fonte: folhadoes.com
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