Nas noites iluminadas pelos letreiros de neon, os motéis brasileiros se tornam cenários de uma narrativa única, entrelaçando mistério e fantasia. É nesse ambiente intrigante que a diretora britânica naturalizada brasileira, Rachel Daisy Ellis, traz à vida seu documentário Eros, uma visão ousada das histórias que se desenrolam além das portas fechadas desses refúgios.
A centelha criativa surgiu de uma experiência marcante: ao chegar ao Brasil há mais de duas décadas, Rachel se viu frente a frente com um motel e suas particularidades. “É visível na paisagem urbana, mas resguarda as identidades de quem ali entra”, afirma. Com o passar dos anos, reflexões sobre sexualidade reacenderam sua curiosidade sobre esses espaços secretos. Durante uma filmagem experimental, ela percebeu que, por trás das paredes, os sons de gemidos e risos ecoavam, despertando a pergunta: “Quem são essas pessoas?”
Assim, a ideia evoluiu para uma proposta inovadora: e se esses frequentadores se filmassem? Equipando casais jovens, trios e parceiros não monogâmicos com celulares, Rachel os convidou a registrar suas noites. O resultado é um retrato sensível das complexidades das emoções humanas: desejos, incertezas, afetos, fantasias e solidão.
Rachel destaca que o verdadeiro encanto se revela nos momentos além do sexo: conversas, silêncios e olhares trocados. “Havia algo mágico ali, uma dança entre o exibicionismo e a partilha íntima”, observa. A montagem do documentário respeita a cronologia de cada encontro, apresentando suas histórias com um ritmo e uma estética próprios, sem interrupções narrativas. Cada casal traz à tona suas realidades; um deles discute a abertura em relacionamentos, enquanto outro, sob a influência da fé evangélica, questiona a sexualidade na vida a dois. Em uma sequência provocadora, três pessoas se entregam ao prazer vestindo-se de padres e freiras, simbolizando a tensão entre desejo e tabu.
A liberdade criativa foi essencial: os participantes escolheram o motel, decidiram o que mostrar e ainda tiveram voz no corte final. O resultado é uma rica tapeçaria de narrativas íntimas, onde os protagonistas são também os contadores de suas próprias histórias. Eros não é apenas uma janela para o universo dos motéis, mas um desafio a preconceitos e um reconhecimento da diversidade, propondo uma nova perspectiva sobre a sexualidade—não como tabu, mas como uma força vital que contribui para um mundo mais saudável e feliz.
Entretanto, o documentário também nos confronta com uma questão provocativa: ainda existe um tabu em falar sobre sexo? Rachel observa que muitos jovens rejeitam conteúdos que envolvem cenas explícitas, como se fossem irrelevantes à narrativa. Essa aversão, para ela, revela uma desconexão da sociedade com o prazer como algo positivo. No entanto, ela acredita que há uma crescente abertura no cinema para explorar tais temas com liberdade e responsabilidade.
Além de Eros, Rachel criou O Último Azul, um filme que conquistou prêmios no Festival de Berlim de 2025. Ambientado na Amazônia, ele aborda liberdade e desejo sob uma nova perspectiva, mas para a diretora, mantém uma essência comum com Eros: “Ambos os filmes celebram a vida, essa energia vital que nos move”, conclui.
Você já teve alguma experiência inusitada em um motel? Como você percebe a relação entre sexualidade e tabus na sociedade? Compartilhe sua opinião nos comentários!
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