Nos dias de hoje, o combate aos crimes cibernéticos que afetam crianças e adolescentes enfrenta um grande desafio: mapear as diversas plataformas, não apenas as populares, utilizadas para ações ilícitas. Criminosos estão cada vez mais se aproveitando de redes menores e comunidades gamer, atraindo e aliciando suas vítimas nesse cenário.
Esses grupos operam em uma estrutura bem organizada. Ambientes como plataformas de jogos, que abrigam uma quantidade massiva de jovens, servem como porta de entrada para o contato inicial. A partir daí, as vítimas são frequentemente levadas para redes alternativas, onde o conteúdo violento e as práticas ilícitas são intensificados.
As chamadas “alt-techs” tornam-se, assim, verdadeiros refúgios para práticas criminosas, como aliciamento, sextorsão, e até incitação à violência. Especialistas apontam que a movimentação entre diferentes redes digitais é um padrão alerta: cada plataforma é utilizada para uma etapa específica do crime, funcionando como uma engrenagem digital intrincada.
Os jogos, neste contexto, representam o primeiro elo dessa cadeia. Após esse primeiro contato, as vítimas são expostas a conteúdos prejudiciais, incluindo tutoriais de crimes e grupos extremistas. Para Michele Prado, pesquisadora e fundadora do Stop Hate Brasil, as plataformas amplas, como TikTok e Roblox, servem como “beacons”, locais ideais para recrutar novos alvos.
Os criminosos, então, fazem uso da fragilidade emocional das vítimas. O objetivo final é sempre empurrá-las para plataformas menos moderadas, onde podem explorar conteúdo ilícito com mais liberdade. Casos documentados mostram adolescentes sendo levados a práticas devastadoras, como automutilação e envio de imagens íntimas.
Nos ambientes obscuros e fechados, surgem “eventos” que se tornaram comuns, onde adolescentes transmitem ao vivo cenas de automutilação ou abusos. Tais eventos são frequentemente antecipados por anúncios em redes sociais, atraindo novos espectadores. A chefe do Núcleo de Operações e Articulações Digitais da Polícia Civil de São Paulo, Lisandrea Colabuono, alerta: “Nesses eventos, vemos algo desde um animal sendo maltratado, até automutilações extremamente claras e abertas.”
Colabuono relata casos chocantes, como o de uma menina que, após se envolver em um desafio online, acabou perdendo a vida, enquanto sua irmã, ao investigar o perfil dela, quase se torna uma nova vítima. A lógica hierárquica nesses grupos transforma cada ato de violência contra uma vítima em um degrau de ascensão para os criminosos, tornando a situação ainda mais alarmante.
A dispersão das atividades criminosas em diversas plataformas pequenas, muitas vezes não familiares nem para os investigadores, torna a luta contra esse tipo de crime um verdadeiro desafio. Fábio Pereira, procurador de Justiça do Ministério Público do Rio Grande do Sul, destaca que as grandes plataformas são apenas a ponta do iceberg: “Micro techs” surgem a todo momento, e os jovens, com suas habilidades tecnológicas, se movem com facilidade de um espaço para outro.
Diante desse cenário, propostas legislativas como o Projeto de Lei 5261/2020 buscam criar restrições na comunicação entre usuários menores de 14 anos em jogos eletrônicos. A iniciativa pretende proibir chats abertos e restringir a exibição de dados pessoais, visando proteger os jovens de abordagens predatórias. Contudo, essa proposta ainda aguarda tramitação, sem previsão de apreciação.
“`
Comentários Facebook