BAHIA
Aos 19 anos, Anna Lua Araujo venceu batalha judicial e fez cirurgia de redesignação pelo SUS

Anna Lua Araujo, a 1ª mulher trans da América Latina a conseguir redesignação antes da maioridade legal –
No Brasil, onde a expectativa de vida de pessoas trans não ultrapassa os 35 anos, a história de Anna Lua Araujo é um marco. Aos 19 anos, a estudante de direito da Universidade Estadual da Bahia (UNEB) se tornou a primeira mulher trans da América Latina a garantir a cirurgia de redesignação sexual antes da idade mínima estipulada pelo SUS.
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O processo enfrentou diversas barreiras judiciais e foi um desafio perante a resistência institucional. Anna começou sua batalha após uma consulta médica em Salvador, onde já atendia todos os requisitos exigidos: acompanhamento psicológico, psiquiátrico e endocrinológico, além do uso de hormônios. No entanto, a idade foi um obstáculo.
“Eu tinha 19 anos e a médica disse que, pela normativa, eu não poderia fazer a cirurgia pelo SUS antes dos 21. Mas no Conselho Federal de Medicina, a mesma cirurgia já era liberada a partir dos 18 anos em clínicas particulares. A juíza entendeu que eu poderia fazer e assim me tornei o primeiro precedente da história da América Latina”, contou em entrevista ao Portal A TARDE.
A decisão foi favorável porque o Estado não recorreu no prazo legal, algo raro. Para Anna, dois momentos importantes marcaram sua trajetória: a resistência inicial de uma magistrada em reconhecer seu direito e, em seguida, a determinação de outra juíza que deu prazo de 10 dias para o Estado custear a cirurgia ou depositar R$ 90 mil.

Anna Lua Araujo após a cirurgia de redesignação sexual | Foto: Arquivo Pessoal
Saúde, dignidade e reconhecimento
A trajetória de Anna foi além do processo cirúrgico. Ela também lutou para garantir o uso do nome social em instituições públicas e privadas. “ Foram muitas barreiras judiciais, foram documentos negados. Tive que processar algumas empresas, e todas foram procedentes até agora, pelo meu direito, segundo o entendimento do Supremo Tribunal Federal”, afirmou.
Além das dificuldades legais, problemas de saúde agravaram sua situação. Anna relatou que sofria com infecções recorrentes, o que poderia inviabilizar a cirurgia futuramente. Essa urgência foi reconhecida pela Justiça.
Salvador como espaço de acolhimento
Natural de Buritis, em Minas Gerais, Anna encontrou em Salvador um espaço que lhe permitiu reconstruir sua vida. “Foi simbólico. Salvador me acolheu quando precisei sair do interior e procurar um lugar para existir com dignidade, longe da transfobia que enfrentei na minha cidade natal. Eu queria um local onde não houvesse discriminação, e encontrei isso aqui”, disse.
Mais do que uma vitória pessoal, Anna vê seu caso como um marco que pode abrir portas para outras pessoas trans. “Eu não vejo como uma conquista individual. Enxergo como um precedente coletivo, pois agora isso pode ajudar outras mulheres trans a realizarem a redesignação de forma gratuita, totalmente coberta pelo SUS, antes dos 21 anos”, destacou.

| Foto: Arquivo Pessoal
Rede de apoio espiritual e jurídica
A conquista de Anna também foi fruto de uma combinação de fé e estratégia jurídica. Ela recebeu o suporte de advogados e buscou apoio em vivências espirituais que a ajudaram a enfrentar o processo. “Foi uma junção de trabalhos espirituais e carnais. Meus advogados do Abreu e Bittencourt acolheram a demanda, e na parte espiritual contei com a maravilhosa advogada Shirley, cerimonialista da Ayahuasca, que viu minha dor e quis me ajudar”, relatou.
A visão da advocacia sobre o caso
A advogada Janaina Abreu, que participou do caso, ressaltou a importância da decisão para a garantia de direitos fundamentais. “Anna Lua tem garantidos os direitos à saúde, à dignidade da pessoa humana e à identidade de gênero. O SUS assegura a pessoas trans o acesso integral ao processo transexualizador. Todos esses direitos convergem para um princípio maior: o respeito à sua autonomia e vivência como mulher”, explicou.
Janaina lembrou que, para acessar a fila da cirurgia pelo SUS, a pessoa precisa passar por acompanhamento multiprofissional e cumprir a idade mínima de 21 anos, tornando o precedente de Anna ainda mais significativo. “Esse caso é um símbolo de vitória da dignidade humana, da liberdade e da igualdade. É uma honra participar de uma história que ecoa esperança e abre caminhos para tantas outras pessoas trans”, concluiu.
O espelho e a liberdade

Anna Lua um mês depois da cirurgia de redesignação sexual | Foto: Arquivo Pessoal
Hoje, após a cirurgia, Anna fala com emoção sobre sua nova relação com o próprio corpo. “Antes, olhar para o espelho era doloroso. Eu tinha muita disforia. Hoje, não só vejo meu corpo, mas também reflito minha essência. É emocionante saber que não foi apenas um sonho, mas real. A menina do interior que um dia chorava escondida, hoje sorri com orgulho”, completou a jovem.
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