Discutir o que significa ir “além do clima” não é apenas minimizar a importância das mudanças climáticas. Na verdade, é reconhecer que a crise ambiental é parte de um problema maior que abrange crises civilizacionais, sociais e morais. Para enfrentar o colapso ambiental, é fundamental reduzir desigualdades, proteger vidas e reconstruir laços de justiça social. Como destacou António Guterres, a desigualdade é um motor da crise climática. A transição desejada só será justa se também for social e econômica.
Desde a Conferência de Estocolmo em 1972, passando pela Rio-92 e pelo Acordo de Paris em 2015, o mundo hesita em reconhecer uma verdade simples: não há futuro ambiental viável em um planeta desigual. A Amazônia, mencionada por Marina Silva, é o espelho moral do mundo, refletindo as contradições da humanidade. Proteger esta floresta é algo essencial, pois a integridade ambiental começa com a integridade social. O Instituto Ethos, há mais de 25 anos, destaca a responsabilidade que as empresas têm para com a sociedade e o planeta. Elas precisam ser parte da solução e assumir a integridade socioambiental como um novo pacto do século XXI.
Esse novo pacto vai muito além da agenda ASG (Ambiental, Social e Governança). Trata-se de um reposicionamento ético e político do setor empresarial frente às mudanças inevitáveis. É um compromisso que une integridade pública e privada em combate ao negacionismo e à corrupção. Justiças socioambientais devem ser a resposta às crescentes desigualdades, e a responsabilidade empresarial precisa ser evidente nas práticas do dia a dia. Ignacy Sachs lembrou que não há sustentabilidade sem justiça social. O foco deve estar em alinhar ética, economia e democracia, além de reconstruir a confiança social, que é essencial para restaurar a credibilidade das empresas.
O Instituto Ethos chama essa sinergia de integração ética da sustentabilidade. Não basta anunciar metas de redução de carbono; é necessário estabelecer também metas de impacto justo. A transição climática deve incluir trabalho digno, equidade racial e de gênero, diversidade e soluções econômicas sustentáveis. A revolução verde precisa andar junto da revolução social, já que a metade mais pobre da população mundial emite apenas 10% dos gases de efeito estufa, mas é a mais afetada pelas mudanças climáticas. No Brasil, mais de 30 milhões de pessoas enfrentam vulnerabilidade climática extrema, e as empresas devem pensar em como podem ajudar a reduzir a pobreza, proteger territórios e defender os direitos humanos.
Outro ponto importante é a cautela em relação às compensações de carbono. Sem a devida transparência, essas compensações podem se transformar em ilusões morais, perpetuando modelos de produção e consumo insustentáveis. O relatório da ONU de 2023 alertou que compensar não é o mesmo que transformar.
A COP30, que ocorrerá no Brasil, representará mais do que uma conferência climática. Trata-se de um teste político e civilizacional. O mundo estará atento para entender o que o Brasil têm a oferecer. O país pode se tornar uma ligação entre o Norte e o Sul globais, articulando desenvolvimento, justiça e integridade. Isso só será possível se o poder econômico agir como motor de transformação. O Papa Francisco, em sua encíclica Laudato Si’, enfatiza que tudo está interligado. Toda decisão empresarial é também uma decisão política, e o silêncio diante das desigualdades e destruição ambiental é cumplicidade. O engajamento é uma forma de proteger o futuro.
Integridade, neste contexto, é o elo que une ética, clima e democracia. Isso significa alinhar valores, decisões e impactos de forma clara. Sustentabilidade não deve ser uma simples estratégia de marketing, mas um compromisso real e verificável. Isso inclui também integrais digitais, promovendo uma inteligência artificial ética que reduza desigualdades em vez de aumentá-las. Tecnologia sem ética não passa de um reflexo das desigualdades.
Portanto, ao participar da COP, cada empresa deve fazer compromissos concretos: revisar seus modelos de negócio, fortalecer políticas públicas e padrões éticos, ouvir os territórios, reconstruir a confiança social e educar para a sustentabilidade. Coalizões como Ethos, IBGC e Sistema B demonstram que é possível formar lideranças coletivas que priorizam princípios sobre interesses. O futuro pertencerá a quem souber cooperar.
Ir além do clima é reencontrar a essência humana na sustentabilidade. Significa entender que a luta climática também é uma luta contra a desigualdade. O lucro deve ser um meio e não um fim. Segundo Ignacy Sachs, o desenvolvimento sustentável representa um novo tipo de esperança. Se o século XX foi marcado pela economia, o XXI deve ser o século da integridade socioambiental e da transparência. Recomeçar como humanidade implica reconstruir o pacto entre pessoas, empresas e o planeta. As empresas brasileiras podem e devem ser protagonistas nesta reconstrução, não apenas minimizando danos, mas construindo um futuro melhor. Juntas. Além do clima.

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