Salvador é indiscutivelmente uma cidade marcada pela desigualdade. Os dados sobre desemprego, segurança pública e renda refletem essa realidade. Entretanto, algumas disparidades são visíveis a olho nu, como os diferentes padrões urbanos. No centro histórico e nos prédios de luxo da Barra contrastam “bolsões de pobreza”, onde há ocupações populares em bairros de alta renda e áreas inteiras dominadas por comunidades que incluem complexos como Cajazeiras, um dos maiores conjuntos habitacionais da América Latina.
Para entender essa dinâmica, o Bahia Notícias conversou com a arquiteta e urbanista Angela Maria Gordilho, doutora em Urbanismo pela USP. Sua pesquisa aborda a segregação e a exclusão na configuração urbana contemporânea de Salvador, e ela aponta que a história da capital baiana, de sua liderança no Nordeste a crises econômicas no século XIX, ajuda a explicar as condições de vida atuais.
Angela destaca que a urbanização de Salvador começou logo com sua fundação em 1549, projetada por Portugal. O Centro Histórico, embora menor na época, já era uma área planejada, cercada e consolidada. “As duas portas de entrada, Santa Catarina e Santa Luzia, marcaram a cidade desde então, mas seu crescimento foi lento até o século XIX”, explica.
Em 1900, quase quatro séculos após sua fundação, Salvador contava apenas com cerca de 170.000 habitantes. O cenário se transforma no início do século XX, quando a estabilização das leis anti-escravistas traz mudanças significativas. Após a abolição em 1888, a economia rural, antes dependente de mão de obra escrava, começa a decair.
Assim, entre 1940 e 1950, surgem as ocupações urbanas. A população negra, recém-libertada, migra para o centro tentando sobreviver como ambulantes e ocupa terrenos ao redor da “Cidade Antiga”. Bairros como Brotas e Federação se tornam pioneiros nesse processo, refletindo a complexa realidade da época.
Entretanto, a Lei de Terras de 1850, que regularizou a propriedade de terras, também iniciou uma disparidade regional. Enquanto a aquisição de terras se tornava comum no “Corredor da Vitória”, do lado direito, onde surgem os subúrbios, as terras permaneciam desabitadas até meados de 1930. “O crescimento urbano marca a migração de grupos mais pobres para áreas como Calçada e Alagados, onde as habitações eram precárias”, relata Angela.
As primeiras ocupações, como a do bairro do Pero Vaz, começam a surgir em terrenos desvalorizados, enquanto áreas nobres ocupam as famílias tradicionais. Angela explica que a construção de loteamentos e a valorização imobiliária foram processos que se intensificaram ao longo das décadas, resultando em uma vervetiazão generalizada, onde as populações de baixa renda se concentram nas favelas.
Além disso, destaca-se o crescimento da orla marítima onde novos moradores se assentam, enquanto os antigos já ocupavam o Centro há décadas. A ocupação de áreas mais distantes da cidade, como Boca do Rio e Itapuã, reflete a gentrificação em curso na região central.
À medida que a orla se desenvolve, o Estado inicia a construção de conjuntos habitacionais em regiões como Cajazeiras e Fazenda Grande, resultando na redução das áreas verdes da cidade e em um cenário habitacional cada vez mais precário para a classe média baixa.
Salvador, rica em história e tradição, enfrenta desafios significativos em relação à sua urbanização e desigualdade. É um cenário que merece reflexão e discussão. O que você pensa sobre essa realidade? Compartilhe suas opiniões nos comentários.

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