O trocador, a banheira e as roupinhas aguardam a chegada de Luca, ainda na barriga da veterinária Lace Jane Assis Ferreira, de 28 anos. Mas ,desde que descobriu a gestação, há seis meses, a mãe teme que uma tragédia que já viveu se repita. Diabética, ela afirma que sofreu um aborto no ano passado, após o Governo do Estado da Bahia interromper o seu tratamento, mesmo sendo obrigado custear o procedimento através de uma ordem judicial. Jane usa uma técnica inovadora que controla a doença e que tem custo mensal de R$ 5 mil. Agora, grávida novamente e ainda sem os medicamentos, o risco de morte não é só do bebê.
????? algo muito traumatizante. Quando vi que estava grávida de novo, não quis acreditar, comecei a pensar várias coisas … Estou com muito medo de perder meu bebê. Todos os dias acordo desesperada só de imaginar em passar pelo mesmo sofrimento. E ainda tem um agravante: os médicos disseram que a minha gravidez é de alto risco, posso morrer também e eu já tenho um filho para criar???, declara Jane, que não tem como arcar com o tratamento e é mãe de um menino de quatro anos ??? na ocasião do parto, em 2018, a criança nasceu prematura, com hipoglicemia severa, que ocasionou uma parada cardiorrespiratória e foi preciso a internação do bebê na UTI.
???Os médicos falaram que isso foi ocasionado por conta da descompensação glicêmica da diabetes durante a gestação. Geralmente, a parada cardiorrespiratória é algo que a gente considera grave na medicina. Foi um milagre meu primeiro filho ter sobrevivido. Ele levou 16 dias internado até estabilizar. Fiquei muito aflita e com sentimento de culpa, horrível. Não sabia se ele ia viver e ao mesmo tempo, acabei tento também a descompensação glicêmica por conta do emocional???, conta a veterinária, que tem diabetes tipo 1, o diabetes mellitus ??? causada por problemas na produção ou na absorção de insulina, um tipo de hormônio produzido pelo pâncreas que ajuda o corpo nos processos de quebra da glicose para manter o organismo funcionando.
Para garantir que o Estado volte a cumprir a ordem judicial de 2019, a defesa da veterinária entrou no Tribunal de Justiça do Estado da Bahia (TJ-BA) com um mandando de segurança contra o governador Rui Costa, e a Secretaria de Saúde do Estado da Bahia (Sesab).
Nessa terça-feira (06), o desembargador José Alfredo Cerqueira da Silva acatou o pedido, obrigando a continuação do tratamento imediatamente e ainda estabeleceu multa para cada dia do não comprimento da decisão. ???…defiro a liminar requerida para determinar que à Impetrada forneça, no prazo de 24h (vinte e quatro horas) a Impetrante o medicamento ???Bomba de Insulina???, consistente no modelo ???Accu Check Spirit Combo com Smart Control Accucheck Performa Combo???, de acordo com o quanto prescrito no relatório médico constante nos autos (ID 34062155), enquanto perdurar o tratamento, sob pena de multa diária de R$ 2.000,00 (dois mil reais)???, diz trecho do documento.
Para a tomada da decisão, o desembargador justificou que o tratamento é ???essencial para otimizar o controle glicêmico e reduzir o risco de hipoglicemias, impedir o avanço da doença de Diabetes???. Ele destacou o risco que correm mãe e filho. ???De igual forma, ao menos nessa análise precária, constata-se o perigo de dano ou risco ao resultado útil do processo diante da possibilidade de um maior agravamento do quadro clínico da Impetrante, o que poderá causar risco de aborto e até mesmo óbito???.
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Mãe e filho podem morrer caso o Estado não retome o tratamento com bomba de insulina (Foto: Marina Silva/CORREIO) |
Justiça
Jane tinha 19 anos quando descobriu que era diabética, em 2014. ???E foi da pior forma. Cheguei a ficar três dias em coma e 15 dias na UTI???, conta ela, que teve uma cetoacidose diabética, que é uma condição grave da doença que pode resultar em coma ou até mesmo a morte. A complicação acontece quando os níveis de açúcar (glicose) no sangue do paciente diabético encontram-se muito altos. E é a insulina a responsável por fazer com que a glicose que está na corrente sanguínea entre nas células do corpo e gere energia.
Então, Jane fez diversos tratamentos, sem sucesso, inclusive a insulina que é distribuída gratuitamente pelo Centro de Diabetes e Endocrinologia da Bahia (Cedeba), unidade de referência estado do SUS, que presta assistência especializada às pessoas com diabetes, obesidade, disfunção tireoidiana e outras doenças hormonais.
O único método eficiente para ela foi a bomba de insulina ??? um equipamento que aplica insulina no paciente continuamente e em doses muito precisas, proporcionando maior controle glicêmico. O tratamento, que tem um custo mensal de R$ 5 mil, que incluiu os insumos (as insulinas, cateter, mangueira), não é fornecido pelo Cedeba.
No entanto, depois de o Estado recorrer diversas vezes, uma liminar garantiu o tratamento de Jane desde de 2019, com multa diária de R$ 1 mil. Porém, entre a data da intimação e o dia do fornecimento da bomba de insulina, foram 50 dias de atraso. ???O estado cumpriu a liminar parcialmente e essa multa chegou a R$ 50 mil???, diz advogado de Jane, Mateus Nogueira.
De acordo com o relatório médico, assassinado pela endocrinologista Lilian Elias Chehad, Jane vinha fazendo uso da bomba de insulina de agosto de 2020 até outubro de 2021, ???com melhoras importantes com o controle da glicemia, sendo interrompido este tratamento por volta de insumos???.
???Voltou então para o esquema de múltiplas doses de insulina (basal-bolus) NHP 2 vezes ao dia e insulina Fiasp passando a evoluir com descompensação metabólica e em novembro de 2021 teve um aborto espontâneo???, diz trecho do documento. O NHP é opção que foi dada a ela pela Ceteba. Já método Fiasp ou insulina aspártica de ação mais rápida, custo dele é R$ 200 por mês.
Governo
O processo relativo a liminar que obriga o governo da Bahia a garantir o tratamento de Jane agora vai para um dos tribunais superiores. ???Ganhamos esse processo no TJ (Tribunal de Justiça do Estado da Bahia) e agora o Estado recorreu para o STJ (Superior Tribunal de Justiça), para tentar reverter, mas não vai conseguir???, garante o advogado Mateus Nogueira.
Já em relação ao mandado de segurança, alternativa usada para fazer cumprir a sentença que já existe em favor da veterinária, o Estado foi intimado nesta quinta-feira (8).
A Secretaria da Saúde da Bahia (Sesab), em nota, informou que ‘independente das ações judiciais, já existe um processo em andamento para a aquisição para os insumos em curso em nome da paciente’.
A Sesab destacou ainda que ‘em relação ao processo judicial nº 8011799-60.2019.8.05.0150, informamos que em 15/01/2020 o farmacêutico responsável do CEDEBA registrou que: “o pleito para análogos de insulina da paciente foi deferido pela comissão de avaliação do CEDEBA em 27/10/2017”, sendo iniciado o atendimento no mês seguinte, com a distribuição da bomba e das insulinas. A última retirada da bomba que administra a medicação se deu em 15/06/2020. Desde então, as insulinas vinham sendo fornecidas, porém, a paciente não realizou mais retiradas, configurando abandono de tratamento’.
Em outro trecho da nota, a Sesab diz que ‘em relação ao segundo processo judicial de nº 8037113-65.2022.8.05.0000, a SESAB foi notificada, na tarde desta sexta-feira (9), pela Procuradora Geral do Estado (PGE). Diante disso, as tratativas para o cumprimento da medida já foram iniciadas pelos setores responsáveis visando o cumprimento do estabelecido judicialmente’
O CORREIO procurou o governador Rui Costa, citado na decisão liminar, mas até o momento não teve resposta.
Procurado para saber quais providências foram adotadas, o Ministério Público do Estado (MP-BA) não se manifestou até o momento.
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