Viver é suportar os golpes do destino

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O longa de Ryusuke Hamaguchi está indicado nas categorias de melhor filme, diretor, filme internacional e roteiro adaptado

O cineasta Ryusuke Hamaguchi voava para Berlim, onde participaria do júri da Berlinale, quando soube que seu belo filme Drive my Car estava indicado em quatro categorias do Oscar 2022. Além da já esperada posição em filme internacional, a obra disputa ainda a estatueta dourada de melhor filme, diretor e roteiro adaptado. Nas últimas semanas, o longa levou o Bafta, o Film Independent Spirit Award e o Critics Choice para produções em língua não inglesa.

Quando chegou ao aeroporto, seu celular indicava dezenas de mensagens e ele achou que tinha aterrissado num mundo diferente. ??Mas este é o mundo em que estou vivendo, então estou tentando aproveitar e ser feliz?, diz o diretor de Roda do Destino (2021). Drive my Car é o último dos indicados na categoria principal a entrar nos cinemas de Salvador. No dia 1º de abril, estreia na plataforma Mubi.

Premiada pelo roteiro em Cannes, a obra de Hamaguchi propõe a utilização do dor do luto e da profundidade da arte como mola mestra para o autoconhecimento – e a consequente necessidade de evoluir neste mundo de meu Deus.

Veja o trailer de Drive my Car:

Inspirado no conto do escritor Haruki Murakami (autor de A Sul da Fronteira, a Oeste do Sol), Drive my Car conta a história de Yusuke Kafuku (Hidetoshi Nishijima), ator e diretor de teatro convidado para montar Tio Vânia, de Tchekov, num festival em Hiroshima. Há dois anos, desde que perdeu  a mulher Oto (Reika Kirishima), ele rumina as falas da peça do dramaturgo russo. Não só por identificação com a história mas também por ser a última lembrança da companheira ?? ela gravou o texto numa fita cassete para ele escutar no carro.

Oto morreu pouco tempo depois que Kafuku a flagrou numa relação extraconjugal. Ele viu mas não chegou a revelar isso para ela. Na ausência da mulher, passa a remoer a tríade fidelidade- amor-felicidade, tal qual em Vânia. Aí está a graça sofisticada da obra de Hamaguchi: espelhar os personagens do filme com os da peça. Mas, avança na discussão sobre a redenção encontrada no perdão e na amizade. Aquele a quem mais amamos pode ser quem mais nos machuca – ou o inverso. 

Refúgio para a alma
O jogo metalinguístico em Drive my Car vai muito além do conto de pouco mais de 30 páginas, aprofundando o que Murakami sugere. Mesclando longos silêncios com uma verborragia necessária na construção da peça dentro do filme, o público quase não sente passar as três horas de duração do longa.
Em Hiroshima (símbolo do poder de destruição do ser humano e de uma possível recuperação), Kafuku precisa  destruir dentro de si a resistência ao que lhe é imposto: o elenco multicultural que vai coordenar no palco e a jovem motorista que lhe conduzirá. 

A contragosto, aceita Misaki (Toko Miura), de 23 anos. Da quase antipatia mútua do início, a dupla encontra conforto no silêncio  que reverbera pelo carro. Eles aprendem a se comunicar, revelando suas perdas. Perdas, que do lado de cá da tela, se tornaram universais com a pandemia.

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As conversas com Misaki, as divergências com o ator que viverá o Tio Vânia (e que foi amante de sua mulher) e a imersão profunda na montagem da peça conduzem Kafuku para uma saída.

??A arte é necessária?, afirma Hamaguchi. ??? um refúgio para a alma, uma zona de segurança. Mas também há um mistério na arte, algo que não pode ser explicado?, completa.

??Acredito ser impossível conhecer o outro completamente. Na verdade, me parece impossível até mesmo que nos conheçamos a nós mesmos verdadeiramente. E isso é algo com que temos de lidar?, pondera. Drive my Car prova que a ficção serve justamente para oferecer alento.

??? importante mostrarmos nos filmes e em outras obras que não há como superar essa e outras dores ou escapar delas, mas dá para encontrar a esperança que nos permitirá viver?, finaliza o diretor.

 

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