Luís Pimentel traça cartografia sentimental do Rio em novo livro

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O escritor Luís Pimentel é baiano de Feira de Santana mas mora no Rio há muitos anos

Nascido em Feira de Santana, o baiano Luís Pimentel vive desde 1975 no Rio de Janeiro, cidade que adotou como sua e onde construiu uma relevante trajetória profissional e literária, dedicando-se também à música e ao teatro. Autor prolífico e versátil, já publicou mais de cinquenta livros em diversos gêneros, sendo premiado por alguns deles no Brasil.

A premiação mais recente, no entanto, veio da cidade de Sintra, em Portugal, onde Pimentel venceu o Ferreira de Castro de Ficção Narrativa 2021 com o livro de contos Ainda Tem Sol em Ipanema, lançado este ano nos dois países. Na Bahia, onde veio autografar a primeira edição, ele conversou com o CORREIO sobre jornalismo, literatura, educação e o seu projeto de país.

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O livro de contos Ainda Tem Sol em Ipanema (divulgação)

Além de ser um escritor, você é jornalista. Tem a profissão no DNA. O que pensa sobre a perseguição compulsiva aos colegas nos últimos anos, especialmente tendo vivenciado os anos de ouro do Pasquim?
A convivência entre a imprensa profissional e o poder constituído sempre foi confusa. Claro que piora e se deteriora nas ditaduras, mas, mesmo nas democracias, governantes têm o péssimo costume de esperarem de jornalistas que o tratem com benevolência. Mas não me recordo de momento pior do que esse, quanto à intolerância, a marra, a arrogância e o desrespeito por parte dos poderosos �?? especialmente por parte do presidente da República. Mas os governantes passam e o nosso dever de informar, criticar e cobrar com honestidade e isenção continua.

Em sua opinião, em qual ponto do caminho erramos o passo (imprensa e sociedade)? Não havia plaquinha ou farelos de pão indicando o rumo a seguir? O que restou daquele país que inventamos?
Penso que a imprensa vai a reboque da sociedade, refletindo, comentando e discutindo as mudanças, alterações ou mesmo alucinações que ela patrocina. Seja quando elege um presidente fora da curva (humana, política, moral), como o atual, ou quando reage, com iniciativas que ecoam como as cartas pela democracia. Não esquecendo que o jornalista é um ser humano e que a imprensa também faz parte da sociedade; portanto há também mal-intencionados ou equivocados entre eles.

Uma característica muito forte da sua obra é a versatilidade com que transita entre os gêneros literários, tendo publicado poesia, contos, cordel, romances, infantojuvenis, dramaturgia e música. O que te mobiliza já na origem de um projeto ou vem em um formato pré-definido?
Em geral, eles já nascem com sua inclinação. Quando penso no assunto que gostaria ou deveria tratar, a experiência e a intuição definem que tratamento deve ser usado. Além do mais, alguns temas ou motivos são mesmo atrelados a esse ou àquele gênero, não pode ser outro. Certas ideias já vêm delineadas para a pegada do conto, não permitem outra. E assim vai.

Após vencer diversos prêmios literários nacionais (Cruz e Souza, UBE, entre outros, e, agora, o Prêmio Ferreira de Castro de Ficção Narrativa 2021, da Câmara Municipal de Sintra, em Portugal), como vê essas premiações e qual a importância que atribui a elas?
Fico alegre quando recebo um prêmio literário, especialmente os destinados a obras inéditas, porque são inscritas com pseudônimos e não se corre o risco de nenhuma possibilidade de o nome do autor ter influenciado, o que acontece com muitos prêmios de obras já impressas. Considero um reconhecimento por aquele trabalho, fica alguma sensação de dever cumprido; porém, sem perder de vista a perspectiva de que prêmio é, também, loteria. A obra premiada poderia, perfeitamente, não ter sido.

Como nasceram os contos do novo livro? Como se desenvolve o seu processo criativo? Ao escrever, você pensa tematicamente o processo ou ele ganha forma livremente e se impõe ao autor?
A partir do conto título, umbilicalmente carioca, resolvi que escreveria outros que fossem parentes e que pudessem habitar o mesmo volume. A partir daí, foram surgindo, sempre surgindo livremente como é da natureza da criação, sendo submetidos em seguida aos critérios do autor: enxugar, reler, reescrever, situar… Essas coisas que você conhece bem.

Você vive há muitos anos no Rio de Janeiro, desde 1975, qual imaginário da cidade é evocado nos trinta contos de Ainda Tem Sol em Ipanema?
Esses contos buscam retratar vidas, cenários, situações e sufocos da cidade onde moro há tantos anos, sem me prender a temas ou a personagens em cenários ou épocas definidos. As histórias retratam, de certa maneira, a cidade, mas nem todos são identificáveis como no conto título, que faz referência específica a um bairro. Mas quem conhece a cidade se situa e se encontra nos contos.

Recentemente, você esteve na Bahia, seu estado natal, lançando o novo livro, que tem a orelha assinada pelo escritor Dênisson Padilha Filho. Como se relaciona com a cena literária baiana? O que pensa sobre a literatura contemporânea da Bahia?
Me relaciono menos do que gostaria com a Bahia. Mas ainda estou aqui sempre que posso, tenho irmãos e sobrinhos aqui, sou convidado todos os anos para ministrar uma Oficina de Criação Literária a na Feira do Livro de Feira de Santana (onde passei toda a minha infância e juventude) e sou amigo de alguns escritores baianos, que vivem aqui, como Antonio Brasileiro, Roberval Pereyr, Elieser Cesar, Ruy Espinheira e Dênisson Padilha Filho – um ficcionista a quem muito admiro e que me deu a honra de escrever a orelha do Ainda Tem Sol em Ipanema. No Rio, convivo bastante com um conterrâneo por quem tenho muito carinho e admiração, o Antônio Torres.

Quando me refiro à Bahia, estou logicamente incluindo Feira de Santana, que, a meu ver, tem grande peso na história literária do Estado. Qual sua relação hoje com Feira, com a movimentação cultural local?
Em Feira, além da família e de muitos amigos, tenho basicamente essa relação profissional ligada a à Feira Literária.

A Bahia esteve no centro de suas atenções, em alguns de seus livros (por exemplo, a Revolta dos Alfaiates). O que falta, o que você sente como sendo uma lacuna narrativa, na história de nosso povo?
Não tenho esse sentimento específico com relação à Bahia, não. Penso que há muito o que se ler sobre a história do povo baiano, muitas delas já contadas e recontadas na obra de grandes escritores nossos, e ainda temos muito a ser feito, pois existem editoras e autoras baianas atuando firmes no cenário da literatura brasileira. Acho que a dificuldade que se enfrenta é geral. O meu livro a que você se refere é Esconjuro! – A Corda e o Cordel na Revolta dos Alfaiates, uma novela histórica inspirada na nossa Conjuração dos Búzios. E são muitos os temas históricos da Bahia que já renderam ou podem render obras de literatura.

Muitos de seus títulos infantis foram selecionados em programa federais (PNBE, PNLD). Em sua opinião, qual a relevância desses projetos para a formação do leitor? Como podemos incentivar a leitura nas escolas de modo mais efetivo?
Esses programas de governo, que foram sucateados juntamente com todo o Ministério da Educação neste governo de sucatas, são fundamentais para a formação do estudante pobre, da escola pública, cujas famílias não têm a menor condição de comprar livros de literatura. Vi meninos, em escolas de comunidades no Rio, tremendo de emoção ao receber pacotes com cinco, seis livros, bonitos, bons, de grandes autores, coisa que jamais tinham visto. São importantíssimos para o estudante e, também, para a sobrevivência de editoras e de escritores.

Em sua opinião o que nos falta para dar o salto? O que o escritor deve mirar enquanto atravessa o deserto? Qual seu projeto de país?
O meu projeto de país é aquele em que o deserto não seja tão áspero nem seja tão amarga e sofrida a travessia.

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