O bolsonarista Igor tomava conta da apuração na budega do Alto do Itaigara, enquanto os amigos, uma mistura democrática entre lulistas e eleitores de Bolsonaro, tomavam cerveja e escutavam Moraes Moreira. ??Ta quanto aí, Igor??, perguntava o petista Denny, trajado com uma camisa vermelha com São Jorge estampado. O clima era de uma final de Copa do Mundo. Ou melhor, de um Ba-Vi decisivo. ??Bolsonaro vencendo com folga, você vai me pagar aquela rabada amanhã. Está 57% pra meu candidato?, disse Igor, mostrando a apuração pelo celular, mas com um detalhe: era a contagem restrita de Santa Catarina. ??Zorra é essa, sacana? Bote no geral aí. Viramos, zorra!?, gritou o lulista Canalha, descobrindo a fraude do amigo. E, como uma democracia que preza a paz, todos riram. E foi assim nos diversos bares de Salvador, um clima amistoso típico de uma final de campeonato. O dever cívico com muita cerveja, amizade e harmonia.
Na budega do Itaigara, a aposta era pesada. Entre os nove amigos, apenas dois, Canalha e Denny, eram petistas. Os demais aguardavam que a maioria daquele pleito boêmio vencesse. O grupo que perdesse deveria providenciar uma rabada bico seco. ??Ninguém vai comer minha rabada!?, brincou Denny, sacaneando com Maria Claudete, trajada com a camisa da Seleção Brasileira. ??Amanhã (hoje) eu quero ver não comer esta rabada. Lembre-se que Lula vai ter que governar para todos. Então, não pode ter preconceito. Vai todo mundo comer a rabada?, avisa Maria, enquanto via, perplexa, a virada. ??O importante é a democracia e a amizade. Aqui é o reduto que deveria servir de exemplo. Ninguém perde a amizade. ? como no futebol. Acabou o jogo, seguimos a vida?, completou.
Nos bares do Imbuí, o clima também era de paz. As amigas Andressa, Jamile e Talita resolveram acompanhar a apuração tomando cerveja e comendo tira-gosto, enquanto a TV começava a mostrar as apurações. Andressa e Talita são bolsonaristas. Jamile, eleitora de Lula. ??Todo mundo aqui nervosa, mas ninguém admite. Estamos falando de tudo, menos de política. Acho que ficaremos aqui tomando uma até depois, sem hora para terminar, independentemente de quem vencer. Vamos curtir, né? Mas acho que Bolsonaro leva?, disse Andressa, ainda no início da apuração. ??Ela está dizendo isso, mas não vou ficar se Bolsonaro vencer, a zorra. Peço a conta e vou para minha casa. Não vou suportar ficar na rua vendo esse povo comemorando?, avisou Jamile, visivelmente nervosa. ??Será com emoção, assim como foi no primeiro turno. Vou ter que aguentar o coração. De virada é mais gostoso, né??, divertiu-se.
Assim como no primeiro turno, os lulistas acompanharam a apuração ma mesma mesa do Imbuí
Também no Imbuí, nove amigos repetiram o mesmo ritual do primeiro turno. ??Pedimos até para reservarem a mesma mesa daquele dia e todo mundo que está aqui estava naquela apuração. O importante é repetimos tudo, segurar o coração, e gritar a vitória de Lula. Não tem como, vamos vencer e Salvador ficará pequena. Só saímos daqui no lixo?, deu o recado Edmundo, um pouco antes de começar a apuração. ??Rapaz, só cerveja mesmo para acalmar os ânimos. Mas, apesar do nervosismo, estamos todos confiantes?.
No mesmo grupo, Tatiane tem uma situação inusitada, pois trabalha na empresa do irmão, que ela preferiu não dizer o nome. ??Ele me disse que, caso Bolsonaro ganhasse, eu ganharia uma folga. Se perdesse, eu precisaria chegar às 6h30 no trabalho. ? para eu decidir? Vou de ressaca, mas feliz. Com certeza trabalharei, abraçando meu irmãozinho às 6h30 da manhã, pois não abro mão do retorno de Lula. Meto um óculos escuro e está tudo bem. Até convidei ele para tomar uma cervejinha com a gente, mas ele preferiu acompanhar a apuração de casa?, brincou Tatiane, enquanto a turma ria na mesa.
COMEMORA??O
Alguns quilômetros ali, especificamente na Pituba, outros amigos, mas bolsonaristas, se diziam tranquilos e certos da reeleição de Jair Bolsonaro. Naquele momento, as apurações estavam com pouco mais de 40% e Bolsonaro estava na frente. ??O Brasil sabe o melhor para ele. E o melhor é o Bolsonaro. O ??datapovo?? disse: o brasileiro quer pátria, família e liberdade. Estamos tranquilos, tomando nossa cervejinha e certos da vitória. Acho que não tem ninguém nervoso aqui, pois a vitória é certa?, garantiu o jornalista Roberto Macedo, que indicou o que faria em caso de derrota. ??Vou pedir a conta e ir embora. Não quero ver comemoração deles. Porém, vou te avisar uma coisa: se eles vencerem, com certeza é fraude, como ocorreu no primeiro turno. Não tem nenhuma possibilidade do Lula vencer?.
Percorremos bares do Imbuí, Pituba, Itaigara, Barra e Rio Vermelho. Em todos, seja mesa mista ou com eleitores do mesmo partido, o clima foi de paz. Num bar da Barra, uma mesa bolsonarista e outra mesa lulista dividiram a calçada, quase grudados. Já com a conclusão de Lula presidente, ambos conversavam pacificamente, como uma final de campeonato, cada um com uma opinião como foi este jogo nervoso e cansativo na escolha do presidente. Ambos foram unânimes: ??Ainda bem que acabou?, afirmou o bolsonarista Gilberto. ??Agora, que Lula governe para todos, esquerdistas ou não?, completou. Já Ricardo, que estava na mesa ao lado, finalizou. ??Acabou nada. Agora é Copa do Mundo e vou voltar a vestir a camisa do Brasil. Acho que agora a torcida será única, né??, brincou. Viva a democracia.
Bolsonaristas se reuniram na Pituba. O clima foi de paz
Festa no Rio Vermelho
Juvenal estava bebendo cerveja como se fosse água. Era um cigarro atrás do outro. No meio da multidão no Largo da Dinha, no Rio Vermelho, reduto historicamente petista, o publicitário parecia estar em outro universo. Enquanto os demais lulistas dançavam e riam, Juvenal não desgrudava o olho do celular, aguardando a esperada virada de Lula, que ainda estava perdendo. ??Cara, só relaxo após a virada. Está diminuindo. Meu Deus, vai virar. Virooooou, meu Deus, deixa eu procurar alguém para abraçar!?, disse Juvenal, no momento em que Lula passava Bolsonaro na apuração, às 18h44. Ele abraçou uma desconhecida e desabou em lágrimas.
??Esperei quatro anos por isso. Aqui, votei em ACM Neto. No país, era um dever moral tirar Bolsonaro do poder. Foi o melhor para todos os brasileiros. Agora, não sei o que vou fazer para trabalhar amanhã (hoje). Desculpa, mas vou beber?, seguiu Juvenal, sem querer falar o sobrenome. ??Meu chefe é petista, mas acho que ele não vai curtir muito se eu chegar ressaqueado. Bote só Juvenal?, completou.
O clima do Rio Vermelho foi de paz e torcida única. Crianças brincavam com bandeiras, enquanto homens e mulheres dançavam. Era difícil saber se era carnaval ou final de Copa do Mundo. Ou os dois. Carros não entravam no Largo da Dinha, apenas pedestres. ??Tive uma crise de choro agora, abracei uma pessoa que nunca vi na vida, que também estava chorando. ? isso. Na Fonte Nova também rola isso, né? Abraço meio mundo de gente quando meu Baêa ganha. Aqui não seria diferente. Agora, é beber um sentimento de alívio com felicidade. Vou quebrar até o chão e passar uma semana com esta música na cabeça: tá na hora do Jair, já ir embora!?, contou Roberta, torcedora do Bahia e lulista de carteirinha.
Por lá, um trio elétrico tocava músicas do partido, enquanto as pessoas não paravam de chegar. Virou uma festa de largo, literalmente. ??Já precisei comprar mais cerveja, pois a galera nem pergunta o preço. Vai metendo o pix e pedindo a cerva, aqui tem todas as marcas, mas a galera quer a verdinha com a estrela vermelha, né? Comecei vendendo de oito conto, mas já subi pra R$ 10. E ninguém tá reclamando?, afirmou a vendedora ambulante Carmen.
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