Título foi entregue na noite desta terça (14) na reitoria da instituição, onde ele estudou quando era aluno do Marista
Foram as poucas frases da canção Padroeiro de São Jorge que Gilberto Gil entoou quando se apresentou pela primeira vez em um palco. Ainda criança, a emoção de cantar no auditório do antigo colégio Marista, no Canela, foi tanta que o pequeno Gil se esqueceu da letra. Ontem, o imortal da Academia Brasileira de Letras voltou ao mesmo lugar para receber o título de Doutor Honoris Causa concedido pelo Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia da Bahia (Ifba) – que atualmente ocupa o espaço que já foi sede do colégio religioso.
Gil, 80, é a primeira pessoa a receber o título do Ifba e a escolha não se deu por acaso. Tido como um dos símbolos da cultura nacional, a homenagem se acumula a outras que tentam dimensionar a magnitude dele. Para além da emoção de receber mais um título, a cerimônia realizada na Reitoria do Ifba teve um gosto mais especial para o cantor. Foi naquele espaço que Gil estudou quando era jovem e começou a dar os primeiros passos como artista.
Para relembrar os momentos que viveu, ele chegou mais cedo e ficou um tempo apreciando o lugar onde cresceu. Em sua fala, fez questão de marcar a importância do local para sua trajetória:
“Eu, já manifestando naquele momento um gosto muito agudo pela música, fui convidado a fazer parte do Bando Alegre [grupo musical formado por alunos] e esse foi o palco em que eu pisei pela primeira vez”.
Por ironia do destino, quando Gil cantou novamente Padroeiro de São Jorge, agora com o título de doutor, esqueceu parte da letra. Felizmente, ontem, a plateia ajudou puxando o coro.
Entre familiares, amigos, personalidades e servidores do Ifba, o cantor foi agraciado com o título de Doutor Honoris Causa mais uma vez. Outros três já haviam sido concedidos pelas universidades Berklee College of Music, nos Estados Unidos; Universidade de Berklee de Valencia, na Espanha; e Universidade de Aveiro, em Portugal.
Familiares de Gil acompanharam a solenidade (Foto: Ana Lucia Albuquerque) |
A cerimônia realizada no Ifba foi conduzida pela jornalista baiana Rita Batista e contou com diversas homenagens. Até chegar à Reitoria, ele foi guiado por um cortejo do Afoxé Filhos de Gandhy e um coral formado por estudantes da instituição apresentou Toda Menina Baiana, uma de suas mais famosas composições.
Emocionada, Luzia Mota, reitora do Ifba, não escondeu a felicidade por Gil ter sido o primeiro escolhido para receber o título da instituição.
“A cerimônia de entrega do título de Doutor Honoris Causa a este baiano aplaudido e reverenciado mundialmente estará inscrita como um capítulo especial na história da nossa instituição, da educação e da cultura da Bahia e do Brasil”, afirmou a reitora.
Com seu jeito sublime, que o faz parecer mais entidade do que ser humano, Gil agradeceu a honraria poeticamente, como lhe é de costume: “Ao filho da terra, que saiu por aí a semear a arte da canção, a esse filho chamam aqui hoje para prestar-lhe uma homenagem. Aqui reproduzimos o hábito da crença na civilidade. Aqui é o tempo e o além do tempo. Obrigado, obrigado e infinitamente obrigado”.
Entre aqueles que defendem que toda homenagem a Gilberto Gil ainda é pouco se comparada às contribuições para a sociedade, está o secretário de Cultura e Turismo de Salvador (Secult), Pedro Tourinho:
“Todo o reconhecimento para Gil é um reconhecimento para nossa cultura e é pouco diante de sua obra e importância para nossas vidas”.
Também presente no evento, Bruno Monteiro, titular da pasta estadual da Cultura, caracterizou Gil como um patrimônio cultural nacional:
“É uma homenagem muito relevante que fortalece a nossa cultura e também a caminhada de um homem que sempre se dedicou às melhores causas”.
O espaço onde hoje está localizado o Ifba não foi palco apenas de alegrias para a infância de Gilberto Gil. Em novembro de 2021, o cantor publicou um relato nas redes sociais em que revelou o racismo sofrido no Marista. Segundo ele, foi no ambiente religioso a primeira vez que se deu conta de que era vítima de preconceito racial. Apesar do disfarce, Gil relembra que chegou a ser chamado de “negro boçal” por um professor, quando apenas pediu uma explicação.
“Só fui sentir o racismo quando comecei a ir ao Colégio Marista, de pequenos burgueses, na maioria brancos. Era uma discriminação disfarçada, atenuada durante todo o tempo, mas com algumas manifestações agudas”, contou.
*Com orientação de Fernanda Varela.
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