Missão a Júpiter investigará se luas do planeta são habitáveis e escondem oceanos

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SALVADOR NOGUEIRA
SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – A ESA (Agência Espacial Europeia) está prestes a lançar sua primeira missão não tripulada a Júpiter -e será a mais ousada já despachada para o estudo do maior planeta do Sistema Solar.

A Juice, acrônimo para Jupiter Icy Moons Explorer, ou Exploradora das Luas Geladas de Júpiter, lembra grandes missões da Nasa, compostas de espaçonaves caríssimas transportando um conjunto completo de instrumentos para fazer todo tipo de observação. Tudo isso ao custo de 1,5 bilhão de euros.

A sonda europeia já foi encapsulada e colocada no topo do foguete Ariane 5, que deve levá-la ao espaço, salvo imprevistos técnicos ou meteorológicos, na próxima quinta-feira (13). O lançamento será feito a partir do centro de Kourou, operado pela ESA na Guiana Francesa.

É o início de uma longa jornada, que envolverá o uso da gravidade da Lua, da Terra e de Vênus para estilingá-la até Júpiter, chegando por lá apenas em julho de 2031, quando se tornará a primeira missão não americana a explorar o maior planeta do Sistema Solar.

Seus objetivos principais são fazer uma caracterização completa do gigante gasoso e um estudo pormenorizado de 3 das suas 4 maiores luas: Europa, Ganimedes e Calisto. Há fortes indícios de que ao menos as duas primeiras, mas possivelmente todas as três, são luas-oceano, ou seja, possuem oceanos de água salgada sob suas crostas congeladas.

“A principal meta é entender se há ambientes habitáveis nessas luas geladas e nos arredores de um planeta como Júpiter”, explicou Olivier Witasse, cientista de projeto da missão, em entrevista coletiva na última quinta (6). “Vamos caracterizar esses oceanos, determinar onde estão localizados, que profundidade têm, qual é a composição dessa água. E, para entender essa questão da habitabilidade, temos de estudar o sistema de Júpiter globalmente.”

Com um impressionante conjunto de sensores, a Juice tentará caracterizar esses oceanos e quem sabe até encontrar possíveis assinaturas bioquímicas de que pode haver vida prosperando por lá (embora esse não seja um objetivo declarado da iniciativa).

De forma notável, a mais badalada das três luas para a prospecção por vida, Europa, é a que terá a menor atenção da missão: dos 35 sobrevoos planejados para os primeiros quatro anos da missão, apenas 2 serão voltados para a Europa. A maioria deles (21) será sobre Calisto, e os 12 remanescentes, para Ganimedes, a maior lua do Sistema Solar. Com 5.268 km de diâmetro, ela é maior que o planeta Mercúrio e é a única a ter um campo magnético próprio, um dos muitos itens que a Juice estudará em detalhe.

O aparente desprezo por Europa não vem sem razão: a Nasa (agência espacial americana) também está trabalhando em uma nova orbitadora de Júpiter, chamada Europa Clipper, que terá como principal objetivo realizar seguidos sobrevoos dessa lua joviana. Ela será lançada no ano que vem e deve chegar a Júpiter em 2030, um ano antes da própria Juice.

Além disso, o ambiente de radiação em Europa é muito mais agressivo do que nas duas luas mais externas, Ganimedes e Calisto, o que pode levar à degradação da espaçonave caso ela não tenha proteção adequada.

Com alguma coordenação entre as missões americana e europeia (que curiosamente nasceram a partir da proposta de uma única gigantesca missão internacional), é possível maximizar o conhecimento colhido pelos dois projetos. Os grupos fazem reuniões anuais conjuntas e mantêm contato constantemente, mesmo antes dos respectivos lançamentos de suas espaçonaves.

Se a americana Europa Clipper vai se concentrar, como o nome sugere, em Europa, a grande estrela da europeia Juice (além do planeta Júpiter, é claro) será a lua Ganimedes. No fim de 2034, a sonda fará algo que nenhuma outra jamais realizou e entrará em órbita de uma lua do Sistema Solar que não a nossa própria, passando pelo menos mais dez meses (e potencialmente muito mais tempo) estudando-a de perto.

SIMILARES, MAS DIFERENTES
As três luas geladas jovianas têm, cada uma, uma personalidade. Europa é a mais ativa e intempestiva, com sinais claros de renovação constante de sua crosta de gelo, deslocamento de placas e possivelmente a emissão de plumas de água vindas do oceano subsuperficial, por meio de fissuras. Calcula-se que o oceano de Europa esteja em contato direto com um núcleo rochoso, fazendo desse ambiente algo muito similar ao que provavelmente deu origem à vida na Terra.

Ganimedes, por sua vez, tem terrenos jovens e antigos em sua superfície congelada, e há sinais claros de que também existe um oceano de água salgada sob a crosta de gelo. Só que os modelos da estrutura interna da lua sugerem que a camada aquosa está ensanduichada entre duas capas de gelo, uma acima e outra abaixo, impedindo o contato direto entre o oceano e o núcleo rochoso. Isso a torna um alvo menos promissor para a busca por vida, mas não se pode descartá-la por completo.

Por fim, Calisto representa um testemunho do que foi o sistema Júpiter no começo da história do Sistema Solar. Com uma superfície escura, antiga e muito marcada por crateras, ela também pode ter um oceano subsuperficial, mas é algo que a Juice certamente vai ajudar a confirmar ou refutar.

UMA GRANDE ESPAÇONAVE
Para fazer tudo isso, a sonda europeia construída pela empresa Airbus foi dotada com os maiores painéis solares já lançados em uma missão interplanetária. São ao todo 85 metros quadrados de placas fotovoltaicas, cuidadosamente dobradas para o lançamento, aguardando o comando para se abrirem no espaço.
A necessidade dos grandes painéis é fornecer eletricidade adequada à sonda mesmo à órbita de Júpiter, cerca de cinco vezes mais distante do Sol que a Terra. O nível de radiação solar é 25 vezes mais intenso aqui do que lá, mas mesmo assim a Juice terá cerca de 850 watts para alimentar seus instrumentos.
São dez deles, além de um experimento envolvendo a antena de comunicação para determinação precisa da posição e velocidade da sonda e de um medidor de radiação. Com o conjunto, a sonda produzirá dados completos do ambiente espacial no sistema joviano, bem como sensoriamento remoto das turbulentas nuvens do planeta e mapeamento da superfície das luas visitadas.

Witasse vê a missão como um esforço que vai além da compreensão da história de Júpiter e seus satélites. “Júpiter é um sistema solar em miniatura, então entendê-lo nos ajuda a entender a formação do nosso próprio Sistema Solar, como evoluiu com o tempo, e isso também ajudará a entender outros sistemas extrassolares.”

Até hoje, apenas duas missões entraram em órbita de Júpiter, as americanas Galileo (que chegou lá em 1995 e operou até 2003) e Juno (ainda em operação, chegada ao sistema joviano em 2016). Em mais alguns dias, mais uma jornada ao gigante começa.

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