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Candidato à diretoria da Faculdade de Medicina é alvo de ataques racistas

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Em 215 anos de história, Faculdade de Medicina tem o primeiro candidato negro concorrendo à direção da unidade

Pela primeira vez, em 215 anos de história da Faculdade de Medicina da Universidade Federal da Bahia (FMB/UFBA), um professor negro concorre ao cargo de diretor. Na quinta-feira (25), os alunos, docentes e servidores da unidade irão escolher os próximos diretor e vice-diretor, que administrará a unidade até junho de 2027. A Chapa 1 é encabeçada por Antônio Alberto Lopes e, a segunda, pela docente Sumaia Boaventura. O que era para ser uma disputa saudável, entretanto, ganhou contornos agressivos e denúncias de racismo foram feitas à ouvidoria da universidade.

Muita coisa mudou no Brasil desde que Juliano Moreira (1873-1933) entrou, aos 14 anos, na Faculdade de Medicina da Bahia, em 1886 – dois anos antes da abolição da escravatura. Um dos primeiros negros a se tornar médico no país, o baiano de Salvador revolucionou o tratamento de transtornos mentais e é referenciado como o fundador da psiquiatria no Brasil. Só 132 anos depois da formatura de Juliano Moreira, a FMB tem o primeiro docente negro concorrendo ao cargo de diretor da unidade. 

Antônio Alberto Lopes ingressou como professor da Faculdade de Medicina em 1980 e é membro da Academia de Medicina da Bahia. Atualmente, é professor titular do departamento de Medicina Interna e Apoio Diagnóstico da UFBA. Ele concorre ao cargo de diretor na Chapa 1 em conjunto com Eduardo Reis, docente da universidade desde 1998. Do outro lado da disputa, na Chapa 2, Sumaia Boaventura, professora desde 1980, concorre ao cargo de diretora e André Gusmão, docente desde 2012, a vice-diretor. 

Leia mais: Com 40 novos alunos negros ou pardos por semestre, Medicina na Ufba tem nova cara

Membro do coletivo Negrex, formado por profissionais negros da Medicina, o estudante da FMB  Andherson Sthépheson vê a participação de Antônio Alberto na eleição como um feito histórico. “Meu apoio não se dá somente pela representatividade, mas porque a competência do professor já foi atestada durante a sua trajetória profissional. Esse pode ser o início de uma reparação histórica em um local que, outrora, nossos corpos negros eram utilizados exclusivamente como objetos de estudo e éramos considerados seres inferiores”, afirma. 

Ataques
No decorrer da campanha eleitoral, que teve início em 28 de abril, o professor Antônio Lopes foi alvo de ataques racistas, o que gerou denúncias à ouvidoria da universidade. A reportagem teve acesso a prints de grupos de mensagens em que alunos da graduação colocam em dúvida a sanidade mental do professor e do candidato a vice, Eduardo Reis. 

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O professor Antônio Lopes é conhecido como POPE em referência ao termo médico Prontuário Orientado por Problemas e Evidências

(Foto: Reprodução)

Ao menos dois e-mails foram remetidos às turmas de Medicina por uma pessoa que se intitula como “Voz do Deserto”. Em uma das mensagens, há uma ilustração de cunho racista, que critica a presença de pessoas negras na Faculdade de Medicina. O autor das mensagens também se refere ao professor Antônio Lopes como Dr. Caramujo, personagem do Sítio do Pica-pau Amarelo. 

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Ofensa racista presente em um dos e-mails enviados

(Foto: Reprodução)

Ao tomar conhecimento do conteúdo das mensagens, o professor Eduardo Reis realizou uma denúncia junto à ouvidoria. “Identificamos que havia racismo no material e enviamos à instância superior da universidade para que medidas possam ser tomadas”, disse. A Faculdade de Medicina e a Universidade Federal da Bahia foram procuradas, mas não se manifestaram sobre o ocorrido. 

A reportagem tentou entrar em contato com os professores Antônio Alberto Lopes, mas ele não retornou. Sumaia Boaventura e André Gusmão, da Chapa 2, também foram procurados, mas não responderam às tentativas de contato. No perfil do Instagram, a segunda chapa publicou uma nota, no sábado (20), em que repudia os ataques ao docente. 

“A Chapa 2, desde o início da campanha eleitoral, divulgou seu compromisso com posturas éticas, de pautar as discussões nas propostas de trabalho, e sem desqualificar as pessoas. […] Portanto, não estimulamos nem compactuamos com nenhum tipo de violência ou desqualificação de quem quer que seja. Trabalhamos pela construção, pela paz”, pontua.

O Coletivo NegreX também se manifestou contra os ataques. “O Professor Dr. Antônio Alberto Lopes, desde o início da campanha, enfrenta diversas tentativas de ter a sua capacidade técnica, científica, profissional e gestora subestimada, subvalorizada e invisibilizada, mesmo possuindo em sua brilhante trajetória um currículo que dispensa comentários, mas que precisa, neste espaço, ser demarcado, aparentemente”, diz a nota.

Outro ponto debatido em grupos de alunos são publicações de caráter homofóbico e machista, que teriam sido feitas pelo professor André Gusmão, candidato a vice-diretor na Chapa 2. Em um dos comentários que teria sido postado pelo docente, é dito que: “Fui a algumas formaturas em que os homossexuais se agarram na frente de todos… Não respeitam ninguém… Nem as avós”. A reportagem não conseguiu acessar o perfil para confirmar a veracidade dos prints porque a conta foi desativada. 

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Comentário que teria sido feito pelo professor em uma rede social

(Foto: Reprodução)

Arlindo Pereira, coordenador geral do Diretório Central dos Estudantes da UFBA(DCE/UFBA), afirmou que a entidade tomou conhecimento das denúncias feitas por alunos da graduação e disse que acompanha os desdobramentos do caso. “A escolha da representação das unidades universitárias é um processo importante e temos visualizado que uma das candidaturas possui figuras que vão de encontro com o que precisamos construir dentro da universidade”, afirmou.

Conheça quem são os candidatos

Chapa 1

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Antônio Lopes e Eduardo Reis disputam pela Chapa 1 os cargos de diretor e vice-diretor da Faculdade de Medicina (Foto: Reprodução)

Antônio Lopes Gusmão 
Professor Titular e Livre Docente de Medicina Interna/Nefrologia da Faculdade de Medicina da Universidade Federal da Bahia (UFBA). Possui título de PhD em Ciência Epidemiológica e Mestrado em Saúde Pública (MPH) pela Universidade de Michigan, em Ann Arbor, e Mestrado em Medicina Interna pela UFBA. Chefe do Núcleo de Epidemiologia Clínica e Medicina Baseada em Evidências do Hospital Universitário Professor Edgard Santos.

Eduardo Reis
Graduado em Medicina pela Universidade Federal da Bahia (1984), Mestre em Saúde Pública pela Universidade Federal da Bahia (1994) e Doutor em Medicina pela Universidade Federal da Bahia (2004). É professor Adjunto do Departamento de Medicina Preventiva e Social e docente do quadro permanente do Mestrado de Saúde, Ambiente e Trabalho da Universidade Federal da Bahia.

Confira na íntegra as propostas da Chapa 1 aqui

Chapa 2

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Sumaia Boaventura e André Gusmão são os representantes da chapa 2 (Foto: Reprodução)

Sumaia Boaventura 
Possui graduação em Medicina pela Universidade Federal da Bahia (1977) , Mestrado em Saúde Comunitária pela Universidade Federal da Bahia (1982) e Doutorado em Medicina e Saúde pela Universidade Federal da Bahia (2011). É Professora Titular do Departamento de Medicina Preventiva e Social. 

André Gusmão 
É chefe do Departamento de Anestesiologia e Cirurgia da FMB/UFBA. Professor Adjunto III do Internato I em Urgência e Emergência da FMB/UFBA, Professor Adjunto B da Clínica Cirúrgica da UNEB. Supervisor do Programa de Residência Médica em Cirurgia Geral do HMS. Presidente da Comissão de Internato do Colegiado da FMB/UFBA. Mestre e Doutor em Imunologia pelo PPGIm/ICS/UFBA.

Confira na íntegra as propostas da Chapa 2 aqui

*Com orientação de Monique Lôbo.

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