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Você já ouviu a palavra da coach de vida real?

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FLAVIAAZEVEDONOVA

Nesta semana, dei muita risada com o vídeo de uma mulher tentando provar as “drásticas” mudanças que cores de roupas podem provocar na aparência física da cliente. Ela botava uns panos coloridos na frente da outra e ia falando de efeitos que eu não via, sinceramente. A cliente também não percebia e só ficava concordando com o que a “profissional” falava, dizendo “ah, ahãm, é mesmo”, nitidamente sem ver diferença alguma. Deve ter investido uma grana, a coitada da moça, pra ser convencida de que só pode usar determinadas cores pro resto da vida. Sem sequer visualizar o motivo.

Tem um cara que eu descobri e ele ganha muito dinheiro repetindo – todos os dias, aos gritos – o seguinte: para ter saúde, a pessoa precisa beber bastante água, dormir bem, tomar sol, comer o mais naturalmente possível e fazer atividade física. Ou seja, o homem tá rico por dizer a milhares de adultos o que eu digo, quase todo dia, de graça, ao meu filho. Quando ele abre “caixa de perguntas” fica divertidíssimo. Os “seguidores” dele querem saber até que tipo de molho podem colocar na salada ou se devem dizer à ex que ela tá gorda. Aí, o coach chama o seguidor de corno e todo mundo ri. Sim, eu juro que é verdade isso.

Ontem, eu assisti 15 minutos da live de uma “sensitiva”. Mais de três mil pessoas online. Ela respondia perguntas da audiência. Coisas do tipo “vou conseguir minha casa própria?” ou “vou ser promovido?”. A todas ela respondia do mesmo jeito “vai dar tudo certo, mas você precisa se empenhar nisso”. Com diferentes palavras, mas no mesmo sentido. No fim, ela falou que tava se arrepiando toda, que tinha um barulho estranho na casa. Uma criatura que tava na live disse que tinha visto “um vulto”. Eu tava olhando, não teve “vulto” nenhum. A “sensitiva” desligou repentinamente, porque “vou ver o que tá acontecendo aqui”. Tá rica e famosíssima.

Há várias mulheres ensinando a piorar qualquer roupa amarrando um cinto. Fica péssimo, eu acho, mas ela afirma que tá melhor assim e pronto. É isso. Bote o cinto você também. O rapaz decidiu que, para relacionamentos darem certo, homens devem servir às mulheres. Ganha dinheiro aplicando esse conceito a toda e qualquer pessoa e situação. Pegou carona no feminismo, virou “feministo”, descobriu o nicho “mulheres, vocês são incríveis” e agora manda nelas todas. Ainda recebe pra isso. Mas essa é só uma possibilidade. A depender do seu jeito, você pode encontrar o coach de relacionamento à sua imagem e semelhança. Daí, é só aplicar o método e não precisa mais pensar no assunto. Vai dar “sertinho”, garanto.

Por sua vez, uma loura – que se chama Fernanda e vive gritando – toda hora diz que se você sumir ele volta. Que tem experiência no assunto. E tome seguidora contando experiências de “sumiço” pro macho voltar. Mas não é sumir de qualquer jeito. Pagando a Fernanda, você descobre a forma correta. Ah, também tem coach para descobrir que tipo de óculos você deve usar e saiba logo que o preto não é básico mais. Também tem a moça ensinando que seus sapatos devem combinar com seus cabelos, que se não for assim, sua imagem estará desequilibrada. Aí, nem soprando um caminhão de canela dendi casa (tem essa também) você vai conseguir salvar sua vida profissional nem amorosa nem nada.

Os exemplos são infinitos. Poderia criticar esses “profissionais”? Poderia, mas seria inveja de quem tá rico aplicando a máxima de que “todo dia sai de casa um malandro e um otário, quando os dois se encontram, fazem negócio”. O golpe tá aí, cai quem quer. As responsabilidades são divididas, não é? De um lado, a malandragem de quem percebe a Grande Dor e vende a sua dose “analgésica”. Do outro, a Grande Dor: um monte de adultos com medo da vida adulta, buscando “painho” e “mainha” (até do tipo de grita e dá esporro) nas redes. Alguém que diga o que devem fazer, da hora em que acordam até a hora em que vão dormir. E até como devem dormir. Todo mundo desincumbido de si. Ou seja, não são mais só as crianças que estão terceirizadas. Ó que viagem.

Uma fantástica fábrica de dinheiro. Eu acho. Para cada dimensão humana, há milhares de “profissionais” dizendo “deixa comigo, eu assumo essa parte, basta você fazer o que eu mandar”. Aí, a pessoa escolhe o discurso que lhe for mais confortável e consegue a infância infinita com “função materna” e “função paterna” desempenhadas  por terceiros, por toda a vida. Basta um pix e você compra alguém pra te regular as emoções, outro alguém para de dar limites e regras e por aí vai. Nada introjetado, nenhuma elaboração. O resultado você vê bastando, para isso, olhar ao redor.

Quase toda mãe, agora, é “narcisista” e, com isso, filhos (mesmo adultos) podem se desobrigar daquela relação. Ninguém mais fica triste, o normal é “deprimir” que aí é sério e a pessoa ganha cuidado e atenção. Todo mundo fica “arrasado” com qualquer tropeço da vida e a reação de completos estranhos – porém aliados – ao choro publicado, legitima aquele sofrimento. Tô arrasada porque minha samambaia morreu, publico stories chorando e tenho centenas de pessoas dizendo que é gravíssimo mesmo a samambaia morrer, que é uma perda duríssima, que acolhem o meu sentimento. 

Quem disser que é “white people problem” ou que não é tão grave assim ou que é pra eu deixar de frescura é porque é ressentido. Aí, publico outro story bem ofendida e tudo certo. Por exemplo. Tudo no outro, tudo fora. A vulnerabilidade e a insegurança cada vez maiores. Já tive muitos sentimentos em relação a esse fenômeno que só se agrava. Ultimamente, tenho sentido dó. 

Você já ouviu a palavra da coach de vida real? É assim, ó: nada serve pra todo mundo e quase nada faz mal a qualquer pessoa. Enquanto você não se autorregular, vai viver, quando muito, uma infância prolongada, só que sem a vantagem e a graça da originalidade infantil. Vai capengar. Seja vestindo a roupa que a moça mandou porque nem percebe que não combina com você ou atribuindo poderes à sensitiva que diz o que você já sabia. Seja ouvindo grito de personal trainner e achando normal ou vivendo relações amorosas de acordo com as regras do livro tal. Provavelmente, sendo um tédio na cama, porque acreditou que existem “xotas” e “paus”, que todos – cada qual em sua categoria – são iguais. 

Quando meu filho era um bebê, uma vez, discordando de uma regra ditada pela minha ex-sogra, ouvi de um homem que estava no mesmo ambiente “ela quer errar os erros dela, tá certa”. Corretíssimo. A não ser pela ilusão dele de que há uma possibilidade de escolha. Não tem “querer” nisso. Cada pessoa só pode errar os próprios erros e só pode acertar os próprios acertos. A questão é que, agora, todo mundo acha que é muito esperto, terceirizando os próprios erros e acertos. Que isso é chique e até “necessário”. Que se pode comprar um “eu” externo, ou vários. Não percebem que, assim, todos se transformam é, exatamente, nos otários que acordam pra fazer negócio com malandros. Ou seja, errar e acertar pode ser de graça ou pagando. A diferença é só essa mesmo. Sinto informar, informando. 

(Também lembrando que, se você não se sente capaz de gerenciar a si mesmo – eventualmente apenas se inspirando em outras pessoas ou procurando ajudas pontuais – isso é um problema. Para a pavimentação do caminho da sua autonomia, há seríssimas terapias. Eu gosto de psicanálise, mas nem só ela existe. Faça a sua escolha, mas vigie o Lattes do profissional, procure referências, converse sobre a linha, as bases e passe um olho na bibliografia. Que de “terapeuta” aspeado o mundo também tá cheio. Crendeuspai.)

Flavia Azevedo é articulista do Correio, editora e mãe de Leo

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