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Pães mumificados indicam garimpo da II Guerra na Bahia

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O Brasil e a Bahia tiveram um papel maior do que se imagina durante a II Guerra Mundial. É o que aponta a descoberta de um garimpo de extração de cristais de quartzo, no município de Campo Formoso, no centro-norte da Bahia, a 401 km da capital. O mineral era matéria-prima para a produção de elementos tecnológicos de comunicação na época e o local chegou a abrigar uma comunidade que fazia da extração uma importante atividade econômica. A localização do garimpo só foi possível após os arqueólogos baianos encontrarem pães mumificados, datados de cerca de 80 anos no sítio arqueológico Garimpo Prateado, da Serra de São Francisco. A descoberta foi feita em 2015, pela equipe do Laboratório de Arqueologia e Paleontologia (LAP), do Departamento de Educação (DEDC) do Campus VII da Universidade Estadual da Bahia (Uneb), em Senhor do Bonfim. Após oito anos do achado, o artigo sobre a pesquisa foi aprovado para compor a coletânea sobre a arqueologia do nordeste, livro da Universidade Federal de Sergipe (UFS) e está em avaliação pela Editora UFS. A aprovação aconteceu em junho deste ano. De acordo com a coordenadora da pesquisa, a professora Cristiana Santana, o sítio foi localizado depois da descoberta de vestígios arqueológicos na região, local utilizado em investigações de arte rupestre. À época, dois idosos moradores da comunidade de Queixo D’Antas, que viveram e mineraram no garimpo, passaram algumas informações para a equipe. Na área dos acampamentos do garimpo, os pesquisadores encontraram fragmentos de louças brancas e de vidro, utilizados como recipientes de bebidas alcóolicas e medicamentos. Um dos frascos foi identificado com xarope incisivo, comercializado desde a década de 20 do século XX, pela Drogaria e Pharmacia Galdino. Segundo Cristiana, o medicamento era utilizado para tratamento de influenza, tosses rebeldes e escarros de sangue. Pistas de pão Os pães mumificados foram localizados sob uma camada de cinzas e sedimento na área de uma antiga padaria, identificada atualmente por escombros. “É comum encontrarmos vestígios arqueológicos como rochas, lascadas, cerâmicas, louças, metais, contudo, alimentos é muito raro. Pães e bolos são ainda mais raros, pois se decompõem com muita facilidade”, explica Cristiana. A preservação dos pães é explicada porque o alimento foi queimado e descartado com as cinzas do forno. “As cinzas resultantes da queima da lenha são dessecantes e acabaram por desidratar completamente os pães, em um processo de mumificação natural. Com a desidratação dos pães e a existência das cinzas ao redor, a decomposição deste foi paralisada e estes se preservaram por 80 anos.” O garimpo possuía uma estrutura simples até a data da escavação: área de mineração, com a presença de valas rasas a céu aberto, espaço para acampamento e um cemitério, localizado a 600 metros do sítio arqueológico. De acordo com arqueólogo Gilmar Silva, mestrando do Programa de Pós-Graduação em Ecologia Humana e Gestão Socioambiental (PPGEcoH) da UNEB, a dupla de garimpeiros entrevistada em 2015, Cirilo Bruno de Aguiar e Firmino Julião dos Santos, afirmou que muitos colaboradores foram enterrados no local após a segunda epidemia de meningite atingir o Brasil, na década de 40. Ao pesquisador, os dois também relataram que o garimpo funcionou por aproximadamente um ano, com uma população entre 4 mil e 5 mil pessoas. No entanto, Cristiana afirma que os vestígios encontrados no local apontam uma quantidade de habitantes reduzida a centenas de moradores, não milhares. Na região também foram encontrados restos de equipamentos manuais, como machados e pás, além de pedaços de ferros, instrumentos provavelmente utilizados durante a mineração. A descoberta coloca o município de Campo Formoso e toda a região do centro-norte baiano em um cenário de contribuição histórica, como aponta a arqueóloga Joyce Avelino, colaboradora da pesquisa ao lado de Cristiana e Gilmar. “A pesquisa constata o fornecimento de matéria-prima para a produção de elementos tecnológicos de comunicação durante a Segunda Guerra Mundial, comprovando a movimentação econômica da época, que, provavelmente, foi uma das maneiras de sustento de famílias da comunidade”, aponta. Quartzo  Os ressonadores de quartzo foram elementos essenciais para o processo de comunicação na Segunda Guerra Mundial, conflito de potências globais entre 1939 e 1945. Segundo o Relatório da Missão Cooke no Brasil, atividade norte-americana que trabalhou em conjunto com a Comissão de Mobilização Econômica em 1942, toda a produção de quartzo brasileira era vendida para os Estados Unidos, aliado da França, União Soviética e Grã-Bretanha. Na época, durante o governo ditatorial de Getúlio Vargas, o Estado Novo, o Brasil declarou apoio aos EUA e, além de vender os cristais de quartzo para a utilização de comunicadores por ondas eletromagnéticas à nação norte-americana, enviou cerca de 25 mil soldados para os confrontos no norte da Itália, país que integrava o grupo das potências do Eixo, formado por Alemanha e Japão. O estado de Minas Gerais era o maior produtor de quartzo do país. A Bahia, por sua vez, tinha grande potencial de produção, especialmente no município de Sento Sé, no norte baiano, e na Serra de São Francisco, de acordo com a professora Cristiana. *Sob a orientação da subeditora Monique Lôbo
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