Francisco Sá – Numa carreira em que não faltam pressões psicossociais e consequente adoecimento, o deslocamento para a escola adiciona estresse à rotina de educadores que precisam vencer longas distâncias para chegar à sala de aula. Que o digam as professoras Regina Alves da Silva, de 38 anos, Cláudia Silva Durães, da mesma idade, e Marlene Barbosa Silva e Jesus, de 56, moradoras de Francisco Sá, no Norte de Minas. Diariamente, elas viajam ao município de Grão Mogol, na mesma região, para lecionar. Regina vai na garupa da moto de Cláudia, numa verdadeira aventura que inclui longos trechos de terra na perigosa BR-251 e passagem no leito de rio. Marlene pede carona à beira da mesma rodovia, que liga as duas cidades. Ao fim do dia, estão exaustas, mas seguem em frente para sobreviver e por amor ao ofício de professora.
Moradora do distrito de Catuni, em Francisco Sá, Regina encara a profissão sob dois ângulos: um sacrifício e, ao mesmo tempo, a realização de um sonho. Para chegar à escola onde leciona, na localidade de Barrocão, em Grão Mogol, ela percorre 24 quilômetros de estrada de terra na garupa da moto da colega Cláudia, tendo que atravessar o leito do Rio Gorutuba, onde não existe ponte. Isso no período de estiagem, como agora, em que o manancial em Catuni está reduzido a quase um filete, com a maior parte do leito tomado por bancos de areia.
No período das chuvas, quando o Gorutuba enche, ela e Cláudia precisam usar outro caminho, mais longo e arriscado para chegar até a escola. Por essa rota, são 55 quilômetros, 29 deles de terra, até a BR-251, e mais 16 quilômetros de asfalto na rodovia federal, que é uma das mais perigosas de Minas Gerais, com um elevado tráfego de caminhões e carretas em pista simples. A reportagem do Estado de Minas sentiu na pele o drama – repleto de adrenalina – das professoras de Catuni, ao fazer o mesmo percurso, também na garupa de uma moto.
Regina e Cláudia engrossam um contingente de centenas de profissionais que precisam superar montanhas de adversidades para dar aulas em locais distantes de suas casas, especialmente na zona rural de regiões de baixa renda como o Norte de Minas, onde a remuneração costuma ser muito menor do que a luta. “São muitos trabalhadores que vão para a escola de carona compartilhada. Vários não conseguem achar carona ou ônibus de volta e dormem na cidade (onde lecionam), muitas vezes de favor, em casas de colegas”, afirma Geraldo da Costa Silva, diretor do Sindicato Único dos Trabalhadores da Educação de Minas Gerais (Sindiute), Geraldo da Costa Silva. Ele salienta que os professores encaram estradas precárias e sofrem dissabores como pneu furado e problemas mecânicos nos veículos, percalços que comprometem o trabalho na sala de aula.
Mas a persistente Regina Silva afirma que as angústias enfrentadas em sua batalha diária não a desanimam. Pelo contrário, ela sempre mantém a autoestima elevada pela realização do sonho de ser profissional do ensino e por um motivo a mais: a satisfação por atuar como professora de apoio, trabalhando com alunos especiais, da educação inclusiva.
SONHOS E PESADELOS
O desejo de ser professora foi cultivado desde a infância, relata ela. “O meu sonho era tão grande que, na sala de aula, eu sempre pedia à professora que me deixasse passar (escrever) a matéria no quadro”, recorda. Regina começou a exercer o ofício de ensinar há 10 anos e se mantém firme, apesar de o deslocamento na garupa de uma motocicleta não ser nada fácil, pois tem que encarar trechos de relevo acidentado. “Já cheguei a cair da moto na estrada várias vezes na mesma semana e a comparecer à escola com o corpo cheio de marcas roxas”, descreve.
Entre os momentos de tensão que enfrentou, Regina ressalta situação vivida no início deste ano, quando precisou arriscar a vida na travessia do Rio Gorutuba, após uma enchente. “A gente foi para o Barrocão pela manhã. Quando voltamos, no início da noite, caiu uma chuva e o rio estava cheio. O jeito foi deixar a moto ‘escondida’ em uma casinha no meio do mato e entrar no rio com roupa e tudo”, lembra a professora.
Para a moradora de Catuni, enfrentar a rotina desafiante na poeira e na lama é questão de necessidade, para garantir a sobrevivência. Mas não é só sacrifício. “Sempre terei prazer em ser professora porque acredito que a educação transforma o mundo”, declara.
Colega de profissão, de viagem e de “aventura” de Regina, Cláudia Durães conta que as duas saem de Catuni por volta das 5h30 e gastam cerca de 40 minutos para percorrer de moto os 24 quilômetros de estrada de terra até Barrocão. “O nosso trabalho é cansativo. A gente precisa ter muita força de vontade e disposição”, afirma a professora e piloto da moto. Cláudia ressalta que precisa ter destreza na estrada de terra que corta uma região de relevo acidentado. “A gente precisa ter muito equilíbrio. Às vezes, a moto derrapa e cai. Na época da chuva é pior ainda”.
Assim como Regina, Cláudia diz que as barreiras não diminuem seu entusiasmo com a profissão. “A gente tanto ensina como aprende, transmite e ganha conhecimento ao mesmo tempo. Isso é muito gratificante”, afirma a professora, que é casada e mãe de duas filhas, de 13 e 10 anos.
DE CARONA
Sem poder contar com um transporte fixo, a professora Marlene Barbosa Silva e Jesus, de 56, também moradora de Francisco Sá, precisa pegar carona na estrada para deslocar até a escola estadual onde trabalha, também no distrito de Barrocão. No caso dela, o percurso de 40 quilômetros pela BR-251 até o destino passa pela Serra de Francisco Sá, um dos trechos de maiores riscos da rodovia.
Diariamente, Marlene acorda às 4h40, se prepara e vai para a beira da estrada, às 5h40, ainda antes do nascer do sol, para levantar a mão, pedindo carona. Retorna para casa por volta das 13h, da mesma forma. “A BR-251 é muito perigosa. Já passei muito medo (na estrada). Nem precisa chover. Basta cair uma neblina para as carretas patinarem (no asfalto) e vira uma situação de terror”, reclama a professora.
“No dia que chove, eu me desespero, pois tenho que ir (para Barrocão) e vejo muitos caminhões rodando na pista, pois o asfalto fica muito escorregadio, como um sabão”, relata. “Quando acontece acidente, a gente fica três ou quatro horas parada na estrada com fome e com vontade de ir ao banheiro”, completa.
Contudo, Marlene afirma: “O sacrifício de ensinar tem um lado bom, porque eu amo o que faço. Faz dois anos que estou com uma aluna surda. Ela não sabia nada de Libras. Hoje, a vejo se comunicar e interagir com todos. Isso pra mim é muito gratificante”, conclui a professora.
EDUCAÇÃO INCLUSIVA
Regina Silva também se sente realizada por ser professora de apoio, que assiste alunos especiais – Pessoas com Deficiência (PCD). Para ela, o profissional da educação inclusiva exerce um trabalho diferenciado, cujo grau de satisfação está relacionado ao aprendizado dos alunos especiais. “Quando a gente percebe que o aluno especial está conseguindo evoluir e aprender o conteúdo repassado é muito gratificante, nos estimula a continuar trabalhando e a superar as dificuldades”, afirma. De acordo com ela, o professor da educação especial precisa ter mais do que conhecimento. “Precisa ser mais atencioso, mais carinhoso e atento. A educação especial requer algo a mais, amor e sensibilidade”, assegura.
Regina conta que fez três cursos superiores voltados para a docência, de Letras, Pedagogia e Educação Especial. “Quando eu concluí o curso de educação especial foi que me descobri realmente e me senti realizada como professora”.
Ela salienta que a educação inclusiva exige algumas habilidades específicas do profissional da área. “Cada aluno especial, como o autista, por exemplo, tem uma característica própria, um tipo de comportamento ou de percepção. E o professor precisa compreender e saber lidar com essas peculiaridades”, observa.
E o trabalho não se limita à relação com o aluno. “O profissional da educação tem uma relação harmoniosa e aconchegante com a família do aluno”, revela. “Amo o que eu faço. Na educação especial, a gente lida com pessoas que têm uma certa limitação. A gente aprende a interagir de maneira igual com pessoas diferentes”, afirma, por sua vez, a professora Cláudia.
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