Velho, meu querido velho (por Gustavo Krause)

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O Brasil tem envelhecimento recorde e pessoas de 65 anos ou mais chegam a 10,9% da população. São dados do Censo Demográfico/2022 do IBGE e divulgados no final de outubro: 22,2 milhões de pessoas o equivalente a um alta de 57,4% ante 2010. A mediana passou de 29 para 35 anos.

A realidade demográfica produz impactos que vão desde a saúde mental, aspectos relacionais, ao amplo espectro da formulação de políticas públicas que atenda novas demandas, em especial, no sistema de saúde e previdência.

Acende um sinal de advertência: envelhecer empobrecendo é o pior dos mundos. O obstáculo mais insidioso é o preconceito em relação aos idosos, o etarismo, ageísmo ou, mais realista, a “velhofobia”. Por sua natureza, o preconceito governa baixos instintos como o desamor, formas sutis e ostensivas de violência.

Paralelamente ao combate do sentimento odioso da discriminação e ao desafio concreto do aumento da produtividade real da economia, com a redução da população economicamente ativa, é fundamental encarar a longevidade como uma conquista a ser valorizada e utilizada diante da mudança de percepção do que é o envelhecimento.

Neste sentido, a mudança na construção de uma sociedade mais envelhecida aponta na direção de políticas inclusivas que ampliem a vida ativa, melhor qualificada, diante das transformações tecnológicas do mercado de trabalho. Mais uma vez a educação e os serviços de saúde preventiva são caminhos estratégicos. Pesquisas indicam que mais de um terço dos domicílios brasileiros dependem, em grande medida, da renda dos idosos.

O que vem a ser vida ativa? A ampliação da capacidade de trabalhar; a conquista de oportunidades adequadas; a disposição para o convívio, superando os riscos da epidemia da solidão, tendo-se como pressuposto que, em qualquer sociedade, mais jovem ou envelhecida, as necessidades básicas estejam devidamente atendidas. Afinal, não é crível pensar no futuro sem que os alicerces da sustentabilidade estejam atendidos.

Ao longo da vida, a natureza dota cada idade com qualidades próprias a exemplo do ímpeto na juventude e da maturidade na velhice. Embora incomum, nada é mais reconfortante do que descobrir o verdor no velho e sinais de velhice num jovem.

Neste percurso, emerge um grande paradoxo existencial: maldizer a velhice, mas não se chega a ela sem ter um encontro indesejável com a morte. Importante, pois, buscar dentro de si recursos que estão disponíveis em todas as idades para uma vida mais tranquila.

Vencer a força brutal do preconceito, as limitações do tempo, e criar uma sociedade acolhedora são “lições dos clássicos”, dentre eles, o romano Marco Tulio Cícero (106-43 a.C).

Tido como orador de insuperável força retórica (o que nos obrigou até os vestibulares de Direito do ano de 1962 estudar As Catilinárias – acusações ao adversário Lucio Sergio Catilina), Cícero aliou o talento político ao de gestor, e nos legou uma preciosa reflexão filosófica Saber envelhecer e A amizade – Porto Alegre: L&PM, 2011. V.63).

Na obra, contesta com simplicidade e sabedoria as “quatro razões possíveis da detestável velhice”; 1. Nos afastaria da vida ativa o que ele contesta com a ação moderada, mais lenta, porém mais sábia; 2. Enfraqueceria o nosso corpo o que seria compensado pela temperança na ocupação do espírito e pelo reconhecimento de dispor do que a natureza permite; 3. Privaria dos melhores prazeres que seriam  desfrutáveis, desde que libertos da volúpia, da paixão, do extremo gozo que, uma vez triunfantes, aniquilariam as virtudes; 4. Aproximaria da morte, fato incontestável que deve ser desdramatizada diante da eternidade e a consciência serena de que a natureza nos ofereceu uma pousada provisória e não um domicílio.

O grande pensador elabora liames entre as gerações e, sobretudo, com a natureza. Passados milhares de anos, inspira, para além dos impactos socioeconômicos da longevidade, o culto de amor ao velho, saudação e saudade, quando Altemar Dutra canta: Velho, meu querido velho, que já caminha lento; e Sergio Bittencour que homenageia a ausência do pai, o gênio do “chorinho”, Jacob do Bandolim, na voz de Elizeth Cardoso ou Nelson Gonçalves: Naquela mesa tá faltando ele e saudade dele tá doendo em mim.

É uma benção ter um velho para chamar de seu.

 

Gustavo Krause, ex-ministro da Fazenda 

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