São Paulo — O patriarca da família Jácome investia sua energia no contrabando de “muambas” antes da chegada do Primeiro Comando da Capital (PCC) no Rio Grande do Norte, no inicio da década passada, segundo investigação do Ministério Público potiguar (MPRN).
Para negociar mercadoria, Laete Jácome de Oliveira (foto em destaque), de 67 anos, deslocava-se até São Paulo, onde ele e seus quatro filhos homens acabaram ampliando as conexões no submundo, estabelecendo contatos com integrantes da facção criminosa.
Os irmãos Deusamor e Leidjan Jácome foram além das muambas e passaram a vender drogas em território potiguar. Ambos viveram, respectivamente, 38 e 37 anos, até serem mortos em um suposto tiroteio com a Polícia Civil da Bahia, em outubro de 2021.
Eles estavam em território baiano foragidos da Justiça do Rio Grande do Norte, para onde mandavam dinheiro para a Prefeitura de João Dias, uma das menores cidades do estado, cujo comando estava nas mãos da irmã Damária. Ela atualmente cumpre pena em regime aberto, por extorsão, da mesma forma que Laete.
Já maduro, o patriarca também se envolveu com a política local, conseguindo se eleger vereador de João Dias, em 2020, e foi seguido pela filha, Damária Jácome, que conseguiu assumir o controle da prefeitura da pequena cidade potiguar, por meio de ameaças, ainda de acordo com o MPRN.
Na mesma região fica a cidade de Jardim de Piranhas, terra natal de Valdeci Alves dos Santos, o Colorido, ex número 2 do PCC nas ruas e que, atualmente, está preso no sistema penitenciário federal, no qual foi jurado de morte por Marco Willians Herbas Camacho, o Marcola, em meio ao racha histórico na cúpula do PCC.
O território também é ocupado por igrejas de Geraldo dos Santos Filho, o pastor Júnior, irmão de Colorido. Como mostrado pelo Metrópoles, ele ergueu um patrimônio avaliado em pelo menos R$ 6 milhões operando um esquema de lavagem dinheiro para o PCC, usando, entre outros meios, a compra de templos religiosos.
Tráfico entre irmãos Dinheiro na prefeitura Damária e o pai Laete foram denunciados pelo MPRN por extorsão do atual prefeito de João Dias, Francisco Damião (PP), em dezembro de 2022. Ele havia renunciado ao cargo em 27 de julho do ano anterior, após ser ameaçado de morte, da mesma forma que sua família, pelos irmãos de Damásia, associados ao PCC.
Documentos da Justiça potiguar, obtidos pelo Metrópoles, mostram que Francisco afirmou ao seu chefe de gabinete que “quem dava a última palavra”, nas decisões da prefeitura, eram Deusamor e Leidijan, até eles serem mortos.
Eles financiaram a campanha da irmã e, segundo o promotor potiguar Augusto Lima, “usaram a prefeitura para realizar transações criminosas, sem chamar a atenção”.
Após o MPRN constatar o envolvimento de Damária com o crime, uma operação foi deflagrada, fazendo com que ela e o pai fossem processados, perdessem os direitos políticos e garantiu o retorno de Francisco à prefeitura.
Omertà O crime de extorsão foi investigado por meio da Operação Omertà, na qual o MPRN também conseguiu desvendar um esquema de lavagem de dinheiro do tráfico de drogas, por meio de movimentações de empresas de fachada, ligadas à família Jácome.
Em uma concessionária que contava com somente um carro, a Promotoria identificou que circularam cerca de R$ 6 milhões, no intervalo de dois anos. Para não chamar a atenção, eram feitos depósitos, de forma fracionada, de R$ 2 mil e de R$ 5 mil.
O enriquecimento da família resultou, segundo o promotor, por causa do envolvimento dos irmãos com o tráfico de drogas. A associação deles ao PCC foi possibilitada graças ao interesse da facção pela BR-116, via estratégica para a maior organização criminosa do Brasil escoar cocaína, por meio do Porto do Ceará, para a Europa e África.
Com 4.610 quilômetros de extensão, a rodovia federal corta literalmente o país, ligando os estados do Rio Grande do Sul e Ceará, no qual fica o Porto do Mucuripe, em Fortaleza.
Rota do pó Investigações do Ministério Público do Rio Grande do Norte (MPRN) mostram que criminosos associados ao PCC, mas que não foram batizados pela facção, também ajudam a garantir o trânsito das cargas, em terreno potiguar, as quais passam pela fronteira, por meio da BR-116, e são transportadas por Santa Catarina, Paraná, São Paulo, Minas Gerais, Bahia, Pernambuco, até chegarem ao Porto de Fortaleza (CE).
Alguns criminosos associados ao PCC chegaram a ser enviados para o Paraguai e Bolívia, onde há laboratórios nos quais a cocaína da facção paulista é produzida e despachada, para acompanharem e entenderem a logística de transporte das cargas.
Como mostrado pelo Metrópoles, o tráfico de cocaína para a Europa, somente pelo Porto de Santos, em São Paulo, rende um faturamento anual superior a R$ 10 bilhões ao PCC, segundo estimativa do MPSP.
À frente de investigações sobre o PCC há quase 20 anos, o promotor Lincoln Gakiya, do Gaeco paulista, afirmou em entrevista ao Metrópoles que as seis toneladas de cocaína que a Polícia Federal (PF) apreendeu no Porto de Santos, em 2023, representam 10% do que os criminosos conseguem despachar anualmente em navios para o continente europeu — ou seja, 60 toneladas. Considerando os cálculos da Promotoria, o Porto do Ceará, juntamente com o do Rio de Janeiro, renderia à facção ao menos R$ 4 bilhões por ano.
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