Indígenas resistem em Brasília desde antes da construção da capital

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O território que há 64 anos se tornou Brasília não aguardou pela efetiva construção da atual capital federal para registrar a presença de povos originários – assim como no restante de Pindorama. Um levantamento da Companhia de Planejamento do Distrito Federal (Codeplan) detalha que indígenas se encontram na região do Planalto Central brasileiro há mais de 10 mil anos.

A área que hoje representa o Distrito Federal era ponto de encontro de povos como os Jê, os Xavante, os Xerente e os Xacriabá. E, depois da chegada dos portugueses às terras tupiniquins, o Centro-Oeste se tornou um refúgio para indígenas e negros que tentavam escapar da escravidão imposta pelos europeus.

O historiador Daniel Magalhães conta que, com o tempo, a atual região central do Brasil recebeu fluxos migratórios de todo o restante do território. “Isso resultou da exploração e da violência no litoral, bem como da busca por terras e melhores condições de vida”, afirma.

Séculos depois, com o início da construção de Brasília, na década de 1950, o Centro-Oeste continuou a ser ocupado; dessa vez, por quem vislumbrou no que se tornaria a nova capital federal um futuro de promessas e oportunidades.

Entre a população indígena, em específico, a expectativa não era diferente. Daniel detalha que os primeiros registros históricos evidenciam o estabelecimento de etnias na região do Planalto Central partir de 1957. Entre eles, havia os Fulni-ô, com origem em Pernambuco e considerados os primeiros desses povos a migrar para a futura Brasília.

Sem poder praticar ritos como os das tradicionais rezas próximo a obras – espalhadas por toda parte, à época –, os Fulni-ô encontraram um espaço de Cerrado onde permanecer e estabeleceram uma relação sagrada com a terra.

Parte desse espaço deu lugar ao que atualmente é o bairro Noroeste, o qual ainda se encontra em expansão e tem um dos metros quadrados mais caros do Brasil. “Antigamente, havia nascentes, pomares. Nós caçávamos aqui. Mas perdemos muito território. Soterraram as águas, as lagoas naturais e até um cemitério”, conta Fetxawewe Tapuya Guajajara Verissimo, 25 anos, estudante universitário e uma das lideranças do Santuário dos Pajés, como foi denominada a localização.

Disputa pela demarcação Antes de os Fulni-ô migrarem massivamente para a região, no entanto, uma rota na área já era usada como passagem pelos ancestrais dos indígenas dessa etnia. Estabelecida pelo pai de Fetxawewe, o pajé Santxie Tapuya, no fim da década de 1950, a região começou a receber, então, integrantes de outros povos e se tornou casa para eles.

Apesar das décadas de história vividas nesse local, o Santuário dos Pajés só foi demarcado em 2018, após 13 anos de disputa na Justiça. Ainda assim, essa parcela população enfrenta, até hoje, a falta de definição legal sobre os territórios que ocupam há séculos.

“Um dos principais conflitos existentes envolve as famílias que vivem na reserva do Santuário dos Pajés”, conta Daniel Magalhães. Antes da criação do Noroeste, o território tinha 108 hectares. Por meio da Justiça, os indígenas pediram a demarcação de 50ha, mas conseguiram o reconhecimento de apenas 32,5ha.

Seis anos após o processo, os residentes do Santuário dos Pajés enfrentam desafios para conseguir o básico, garantido por meio das normas que tratam dos direitos humanos, como acesso a saneamento e habitação.

 

 

Santuário x Cidade No Santuário dos Pajés, a população não enfrenta apenas entraves com os processos demarcatórios, mas problemas de reconhecimentos dos povos em áreas como saúde, educação e assistência social. “Você perde direitos por não ser aldeado. Perdemos nossa cultura, nossa identidade e, assim, o sentido de viver”, lamenta Fetxawewe.

O líder indígena e estudante também detalha como o racismo na capital da República se tornou algo corriqueiro. Mais de uma vez, o jovem foi alvo de xingamentos, como “sujo”; expulsão de estabelecimentos; e recusa por motoristas de aplicativo. Em uma das ocasiões, ao fazer exames de sangue em um hospital, ouviu que “índio tem pele de jacaré”.

Apesar da discriminação, Fetxawewe relata que prefere enxergar o futuro por um prisma otimista, além de torcer por melhorias na educação e na saúde para descendentes dos povos originários. “É necessário entender que existem indígenas e territórios indígenas em Brasília. Não há só na Amazônia. Eles estão em todos os estados do Brasil”, enfatizou.

O indígena também lembra que Brasília é o berço das políticas públicas da população brasileira e que a capital federal recebe a maior mobilização de povos indígenas do Brasil, o Acampamento Terra Livre (ATL), mobilizado anualmente na área central da cidade.

Nesta semana, entre segunda (22/4) e sexta-feira (26/4), cidadãos de diversas etnias se reunirão em Brasília para discutir e fortalecer os debates em torno da resistência indígena.

Além disso, interessados em conhecer o Santuário dos Pajés podem visitá-lo e aprender mais sobre esse espaço desde antes do surgimento de Brasília. “Nesse local, vamos além do que há nos livros de história”, ressalta Fetxawewe.

Dados demográficos Atualmente, menos de 6 mil indígenas vivem no Distrito Federal, e a capital do país inclui 19% das terras regularizadas do Brasil, segundo a Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai).

Essa mesma parcela da população também reúne os piores índices de analfabetismo e de renda per capita. O levantamento mais recente da Codeplan sobre esses cidadãos, divulgado em 2015, revela que a proporção de indígenas com 15 anos ou mais que não sabe ler ou escrever supera a de quaisquer outros grupos étnicos: 5,3%.

Além disso, mais da metade dos indígenas (55%) recebia de um a três salários-mínimos por mês, à época da coleta das informações, com 24,8% deles auferindo até um e 4,7% com rendimento superior a cinco salários-mínimos.

Para efeitos de comparação, entre a população total do DF, 9,7% tinham rendimentos superiores a 10 salários-mínimos, faixa em que não se encontrava qualquer percentual de indígenas.

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