Sob fogo cruzado, Tarcísio e Lula disputam modelo de reforma agrária

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São Paulo — As pautas da produção agrícola, a propriedade de terras no Brasil, a reforma agrária e a violência no campo têm neste mês seu momento de maior destaque por causa do Abril Vermelho, série de protestos e ocupações de terra feitos por movimentos sociais, e pela Agrishow, maior feira de negócios do setor.

Com o assunto em destaque, os governos Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e Tarcísio de Freitas (Republicanos) tratam do tema com propostas que expõem as diferenças práticas, em termos de promoção de políticas públicas, de cada visão de mundo.

No caso de Lula, o governo lançou um novo programa de reforma agrária, o Terra da Gente, que prevê aumento na captação de terras para serem distribuídas para sem-terras. Já o governo Tarcísio pretende intensificar um programa de emissão de certificados de propriedade para pequenos produtores assentados em terras devolutas – terras públicas que não estão ocupadas pelo governo.

Entenda as diferenças A proposta do governo Tarcísio começou a ser implementada no ano passado, colocando em prática um programa traçado pela gestão anterior, do ex-governador tucano Rodrigo Garcia. Mas como o projeto tinha apenas um ano de validade, a base de Tarcísio teve de aprovar uma nova lei na Assembleia Legislativa (Alesp) prorrogando o prazo até o fim de 2026 — o que ocorreu na semana passada.

O programa estadual permite que pessoas que estão em terras devolutas — pequenos e grandes proprietários — possam adquirir certificados de propriedade dessas áreas em troca de um pagamento de até 5% do valor de mercado dessas terras.

Até agora, pelo menos 100 grandes produtores rurais, famílias ou empresas, fizeram pedido de regularização. Mas o secretário estadual da Agricultura, Guilherme Piai, argumenta que os  maiores beneficiários são pequenos produtores, assentados que não tinham seus títulos de terra. Segundo ele, cerca de 2 mil certificados já foram emitidos para esse público.

“O Tarcísio, depois de 40 anos, é o primeiro governador que está fazendo reforma agrária em São Paulo. Por quê? Porque a entrega do título [de propriedade] é uma forma de reforma agrária. Os assentados queriam ser donos da terra. Até ontem, antes de o governador entrar, você ia no cartório e eles não tinham nada. Tinham só um termo de permissão de uso”, diz o secretário.

O projeto tem o foco no Pontal do Paranapanema, no oeste de São Paulo, região que historicamente concentra conflitos por causa de terra, com acusações de grilagem que remontam ao século XIX e invasões promovidas por grupos como o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST).

Piai afirma que “a regularização fundiária é uma forma inteligente de reforma agrária, porque agora eles são verdadeiramente donos do imóvel, em cartório”. A propriedade, diz o secretário, também facilita a obtenção de linhas de crédito para compra do maquinário usado no plantio.

O secretário de Tarcísio apresenta o projeto estadual como contraponto ao modelo de reforma agrária do governo Lula. “A reforma agrária que o governo federal fez não funcionou e eu te provo o porquê. O agronegócio, que gera 30% do PIB brasileiro, gera 50% das exportações, ocupa 70 milhões de hectares. Os assentamentos ocupam 110 milhões. Quanto o governo gastou para comprar esses mais de 100 milhões de hectares e quanto isso gera para a balança comercial do Brasil?”, questiona.

Piai diz ainda que o hectare vendido para o pequeno produtor tem um valor médio de R$ 600 no programa de regularização, ao passo que o valor médio para os grandes produtores seria de R$ 15 mil. “O Estado já arrecadou R$ 100 milhões com o programa de regularização”, diz.

A prorrogação do programa se fez necessária porque a lei que criou o projeto, na gestão Rodrigo Garcia, previu que os pedidos de regularização seriam feitos até janeiro. O secretário estima que a gestão Tarcísio terminará 2026 com 7.200 assentados com os títulos regularizados e que a medida contribuirá para a paz no campo.

Mas Piai, apoiador do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), afirma que não tem perfil para manter interlocução com grupos como o Movimento dos Sem Terra (MST). “O Itesp [Instituto de Terras de São Paulo] atende. Tem uma divisão para conflitos, um diretor que atende. Mas eu sou produtor rural, sou contra a invasão de propriedade privada, é contra a constituição. Não tenho raiva de ninguém, mas dizer que tenho um diálogo aberto, não”, afirma.

Reforma agrária A principal crítica ao projeto do secretário é que ele não inclui pessoas acampadas, que não têm terra alguma para terem os títulos certificados, segundo o deputado estadual Simão Pedro (PT). Para o deputado, é preciso haver mais terras disponíveis para abrigar assentamentos, o que a proposta de Tarcísio não contempla.

“O governo vinha fazendo reforma agrária há 30 anos. Governos Montoro, Covas, Alckmin. Quem acabou com essa política foi o Rodrigo Garcia”, diz o deputado. O Estado, segundo Simão, tem cerca de 5.000 famílias assentadas e outras 7 mil cadastradas no Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), órgão federal que faz os assentamentos.

A lei do programa de terras devolutas é questionada no Supremo Tribunal Federal (STF) pelo PT, em um processo que já obteve parecer contrário do Ministério Público Federal (MPF) e da Defensoria Pública da União (DPU).

O partido contesta o fato de o projeto ter nascido no Legislativo, que indicaria “vício de iniciativa” e, em especial, o fato de que a Constituição reserva as terras devolutas usos para assentamentos e preservação — e não a venda, com desconto, para grandes produtores.

Proposta petista Já o governo federal lançou, há duas semanas, um programa chamado Terra da Gente, que tem como foco justamente a capitação de terras para repassá-las à pessoas cadastradas no Incra ou trabalhadores rurais que vivem em acampamentos.

O governo fala em “prateleira” de terras, que podem ser repassada para a união das mais diversas formas, como o pagamento de dívidas com a União, transferência de terras em posse de bancos e empresas e imóveis improdutivos já vistoriados pelo Incra.

A meta apresentada pelo ministro de Desenvolvimento Agrário e Agricultura, Paulo Teixeira, foi de assentar 295 mil famílias até o fim de 2026 por meio do programa.

“O programa é uma estratégia de arrecadação de terras para destinar ao assentamento de novas famílias para produzirem alimentos em grande quantidade”, disse Teixeira, no lançamento do programa, no último dia 17. Ele prometeu que os novos assentamentos vão nascer “com berço de ouro” — com assistência de universidades para desenvolvimento das produções.

Teixeira, no evento, criticou o modelo em implementação pelo governo paulista. “Há um debate na sociedade em relação ao programa do governo anterior [de Bolsonaro], que era de titulação [de terras]”, disse.

“Quase 90% desses títulos eram renovações. Você tem uma carta e você renova sua carta. Eles renovaram e chamaram isso de título. Nós temos clareza de que, no quesito que eles queriam discutir, nós também vamos superar eles e fazer um grande programa de titulação, que agente possa registrar em cartório”, prometeu.

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