Imagine ter um filho e depois de alguns anos ver que mudaram o nome dele no registro de nascimento? Esta foi a analogia feita pelo cantor e compositor Filipe Escandurras sobre as mudanças feitas em músicas sem a autorização do compositor.
Responsável por hits da música baiana, entre eles ‘Lepo Lepo’, ‘Fui Fiel’, ‘Águas de Chuva’, ‘Vai Que Cola’, e de sucessos da música brasileira, como ‘Decide Aí’, ‘Te Assumi Pro Brasil’, o compositor conversou com o Bahia Notícias sobre como se sente quando algo do tipo acontece com alguma música escrita por ele.
Ao site, Escandurras relembrou a mudança na música ‘Minha Deusa/ Cabelo de Chapinha’, lançada por Bell em 2015, já na carreira solo, que precisou ter a letra alterada após questionamentos apresentados ao Ministério Público de que a música desencadeava interpretação de conteúdos supostamente discriminatórios ou ofensivos à mulher negra.
Segundo o artista, na ocasião, não houve dor de cabeça entre os outros dois compositores, Fagner Ferreira dos Santos, Gileno Batista Gomes, que atenderam a sugestão do MP-BA, e alteraram a canção, mas Filipe se coloca como um compositor exigente.
“Eu sou muito exigente assim com as minhas composições. Graças a Deus eu nunca tive esse problema de precisar mudar música, mudar letra. Só com ‘Cabelo de Chapinha’ que foi gravada por Bell Marques, que na época teve um problema e o Ministério Público sugeriu que a gente mudasse, mas foi com um consentimento de geral, e a gente colocou, ‘eu também gosto do cabelo de chapinha’. Mas o compositor, ele precisa ser consultado”, disse de forma firme.
Na época, Bell chegou a defender a música, mas passou a interpretar a nova versão sem nenhum problema.
“A minha história mostra que jamais desrespeitei o meu público através do meu trabalho. Tenho muito orgulho do que faço, respeito muito todos os meus fãs e jamais faria algo diferente. Os meus 36 anos de carreira estão aí para provar que eu sempre levei alegria cantando canções que fazem o povo sorrir, dançar e cantar.”
CONTRÁRIO AS MUDANÇAS
Para Escandurras, apesar de uma canção ser vendida ao artista, o compositor ainda é creditado na obra, desta forma, ele segue como responsável pela canção.
“É uma obra sua, você que fez aquilo. Não é que nem um carro, que você vende para uma pessoa, e aquele carro é da pessoa. A composição, ela continua sendo minha. É uma obra que vai ficar aí, é imortal.”
A pauta volta com força no final de 2025, após a polêmica vivida por Claudia Leitte entre o final de 2024 e o início de 2025, com a mudança na música ‘Caranguejo’. Sem questões religiosas, Escandurras citou uma mudança surpreendente feita em uma música composta por ele para o Carnaval de 2025, a canção ‘Axé Salvador’, interpretada por Daniela Mercury.
“Axé Salvador é uma música totalmente diferente da música que foi composta. Daniela mudou a música completamente. Fizemos uma outra música. A melodia permaneceu a mesma e o início somente, mas não tinha nada daquilo que foi colocado. Essa música ela era totalmente diferente, a gente falava um pouco do que era o carnaval, do que era a magia do verão. Daniela mudou totalmente a música, sem o meu consentimento. Como compositor fica até estranho para mim, porque eu não fiz aquela música, eu fiz a melodia daquela música, a música era outra.”
Ao Bahia Notícias, o artista afirmou que a questão não se tornou uma pauta maior por ele dividir a composição com outros parceiros, entre eles Aila Menezes, Edu Casanova, Juliano Valle, Pierre Onassis e Topera. Daniela, Mallu Mercury e Gabriel, filho da cantora, também aparecem nos créditos da faixa.
“Como tinha muitos compositores na sala, eu não tive esse contato direto com ela. Foi algo que ela fez e não consultou, nem eu, nem os outros compositores. Mas eu preciso ser consultado se aquilo for mudar, porque quando ela foi criada, ela foi pensada daquela maneira. Eu não posso permitir que o artista chegue lá e mude minha música sem me consultar, porque é como se fosse um filho meu.”
Apesar da questão com a mudança na música, o artista afirma ter um carinho pela faixa.
MUDANÇA FEITA POR CLAUDIA LEITTE PODE RENDER MULTA MILIONÁRIA
O processo protocolado na 7ª Vara da Fazenda Pública de Salvador pelo Ministério Público do Estado da Bahia (MP-BA) e o Instituto de Defesa dos Direitos das Religiões Afro-Brasileiras (Idafro) por intolerância religiosa pela mudança na música, pede a condenação ao pagamento de R$ 2 milhões por dano moral coletivo.
Em nota enviada ao Bahia Notícias, o Idafro afirma que “a mudança não pode ser tratada como exercício de liberdade artística ou religiosa, uma vez que se refere a músicas reproduzidas há décadas, associadas à memória coletiva, à identidade cultural baiana e à própria história do axé music.”
A entidade ainda sustenta que a alteração atende ao propósito de “ultrajar e vilipendiar a memória africana expressa na religiosidade afro-brasileira”.
A ação é assinada pela promotora Lívia Maria Santana e Sant’Anna Vaz, da Promotoria de Combate ao Racismo e à Intolerância Religiosa, e por Alan Cedraz Carneiro Santiago, promotor de justiça e coordenador do Nudephac (Núcleo de Defesa do Patrimônio Histórico, Artístico e Cultural).
Em outras ocasiões, ao ser questionada sobre a mudança, Claudia Leitte afirmou não debateria o assunto de forma superficial.
“Esse é um assunto muito sério. Daqui do meu lugar de privilégio, o racismo é uma pauta que deve ser discutida com a devida seriedade, e não de forma superficial. Prezo muito pelo respeito, pela solidariedade e pela integridade. Não podemos negociar esses valores de jeito nenhum, nem os jogar ao tribunal da internet. É isso”, disse na época no Festival Virada Salvador.

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