Saiba por que pessoas trans precisam de cuidado odontológico especial

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Dentre os inúmeros desafios enfrentados por pessoas trans, a obtenção de cuidados de saúde se destaca. O preconceito muitas vezes limita o acesso aos serviços de saúde, enquanto o uso de hormônios e procedimentos estéticos pode complicar a saúde de modo geral, refletindo inclusive nos cuidados odontológicos.

O ator Artha S, de 23 anos, vivenciou pessoalmente essa falta de inclusão. Ele sofria com dores intensas nos dentes e aguardava por atendimento há aproximadamente um ano. Além da dificuldade em agendar consultas no posto de saúde mais próximo de sua residência, ele enfrentava o receio em relação à forma como seria tratado quando chegasse sua vez.

“O ambiente hospitalar, independentemente de sua natureza, é frequentemente um gatilho em potencial. Os profissionais muitas vezes limitam sua atenção apenas à área corporal a ser tratada, negligenciando o estado mental do paciente, que frequentemente está fragilizado e com dor. A empatia muitas vezes é escassa”, afirmou ele.

A realidade de Artha começou a modificar-se graças a um projeto universitário denominado Rede Visibiliza. Uma pesquisa conduzida por alunos do curso de odontologia da Universidade Federal Fluminense (UFF), campus Nova Friburgo, revelou os desafios enfrentados pelas pessoas trans para garantir uma saúde bucal adequada.

Ao constatarem as dificuldades enfrentadas por muitos indivíduos trans na obtenção de cuidados odontológicos, a instituição criou um projeto exclusivo para atendê-los.

“Fiquei extremamente contente com a recepção calorosa. Todos são muito atenciosos, o que é crucial. Quando somos vistos apenas como corpos necessitando de intervenção, as feridas raramente cicatrizam da melhor forma. Nós somos seres humanos”, afirmou o ator. Desde que começou a ser assistido no projeto, ele realizou três obturações, duas limpezas e um tratamento de canal.

De acordo com Flávia Maia Silveira, coordenadora do projeto e professora de odontologia, foi detectado que não havia um acolhimento adequado nem pesquisas científicas sobre as necessidades específicas de saúde bucal da comunidade trans.

“Os locais de saúde, que deveriam ser espaços acolhedores, acabam perpetuando as violências e os preconceitos que as pessoas enfrentam desde cedo. Além disso, o custo do tratamento odontológico acaba tornando-o ainda mais excludente se considerarmos como essa população também é marginalizada economicamente”, enfatiza Flávia.

O projeto iniciado em abril de 2023 integrou o atendimento humanizado com a análise de dados e a elaboração de pesquisas científicas para abordar os problemas específicos de saúde odontológica da população trans. Segundo a dentista, em pouco mais de um ano, foi observado que as pessoas trans apresentam condições de cárie, fraturas dentais e periodontite piores que a população em geral.

Quais são as necessidades de cuidados odontológicos para pessoas trans?

Os dados observados até o momento pelo grupo permitiram identificar algumas das principais dificuldades enfrentadas por pessoas trans que exigem um cuidado especial. Entre os problemas identificados estão:

– Acesso econômico: muitas pessoas trans sofrem exclusão desde cedo, o que resulta em menos oportunidades de qualificação profissional e salários mais baixos, dificultando a cobertura de seus tratamentos odontológicos e a prevenção de problemas;
– Violência: vítimas de agressões físicas, muitas pessoas trans acabam com fraturas dentais ou orofaciais que, se não tratadas rapidamente, podem levar a complicações;
– Preconceito: mesmo com a garantia legal do uso do nome social, pessoas trans ainda enfrentam transfobia nos serviços de saúde, sendo por vezes desrespeitadas no contato com profissionais;
– Preenchedores: muitas pessoas trans recorrem a procedimentos estéticos para melhorar a autoestima, porém, quando feitos de forma inadequada (como o uso de silicone industrial ou PMMA a baixo custo), podem prejudicar a saúde bucal, causando perda dentária;
– Terapias hormonais: as terapias hormonais realizadas por pessoas trans, muitas vezes sem acompanhamento adequado, podem impactar a saúde bucal, tornando crucial uma avaliação odontológica contínua.

Essas questões ressaltam a importância de um atendimento odontológico sensível às necessidades e particularidades da população trans, visando não apenas tratar problemas existentes, mas também prevenir complicações futuras e promover a saúde bucal de forma integral. O trabalho realizado pelo grupo de alunos voluntários da UFF é um passo importante nesse sentido, buscando oferecer cuidado e acolhimento a quem muitas vezes enfrenta desafios significativos no acesso aos serviços de saúde.A prescrição de medicamentos é comum entre pessoas transgênero, levando a modificações nos níveis de estrogênio e testosterona em seus corpos, podendo impactar a saúde óssea. Essa perda, conhecida como osteopenia, também pode influenciar a região oral, resultando em casos graves de periodontite que, sem cuidados médicos adequados, podem levar à perda de dentes.

O estresse é outro fator relevante para a população trans, resultando de diversas formas de violência enfrentadas, o que pode comprometer os tecidos ósseos e aumentar as predisposições à periodontite. Além disso, os pacientes podem manifestar outros problemas que afetam a saúde bucal, como o bruxismo.

A saúde sexual é uma preocupação para muitas pessoas trans devido à baixa escolaridade e renda, levando-as a atuar na prostituição para superar dificuldades financeiras. Isso aumenta a incidência de infecções sexualmente transmissíveis (ISTs), que também podem se manifestar na cavidade bucal. Sífilis, herpes e HPV são exemplos de ISTs que podem causar sintomas na boca, exigindo que os dentistas estejam preparados para orientar seus pacientes sobre os riscos e observar os sintomas.

O projeto Rede Visibiliza, ao tentar lidar com esses desafios, tem sido acolhido pela comunidade trans no Rio de Janeiro e tem recebido crescente interesse por atendimento. Para os profissionais envolvidos, essa receptividade é resultado da humanização das consultas.

Vitor Lisbôa da Silva, um dos idealizadores do projeto e aluno de odontologia, ressalta a importância de os cirurgiões-dentistas compreenderem as peculiaridades da saúde bucal das pessoas trans e garantirem o melhor atendimento possível para controlar os efeitos adversos das medicações ou procedimentos.

Leona Souza, de 25 anos, é uma das pessoas cuja vida foi impactada positivamente pelo projeto. Ela relata sua experiência: “Eu já sofri preconceito de gênero em consultórios dentários, e foi incrível ver como somos respeitados na UFF. Não há preconceitos, estão preparados para nos receber. Foi muito importante para mim, pois eu não teria condições de fazer os tratamentos que fiz em outro lugar.”

![Imagem relacionada ao atendimento odontológico inclusivo](https://fly.metroimg.com/upload/q_85,w_600/https://uploads.metroimg.com/wp-content/uploads/2024/07/29193103/Atendimento-trans-odontologia-UFF-3.jpeg)O projeto inicia seu acolhimento por meio do Centro de Cidadania LGBT Hanna Suzart de Nova Friburgo, responsável por agendar a primeira consulta. No momento, não há uma lista de espera para os atendimentos que ocorrem na clínica odontológica da UFF às quintas-feiras, das 14h às 18h. Para obter mais informações, é possível esclarecer dúvidas por meio do Instagram do projeto.

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