Política e Carnaval sempre andaram de mãos dadas, criando um ritmo contagiante. Um dos mais brilhantes exemplos desse entrelaçamento é o “Samba do Crioulo Doido”, que tece, em versos memoráveis, uma confusão divertida com a história do Brasil. Atualmente, algumas figuras políticas parecem se inspirar nessa composição de 1966, porém, em um contexto indigesto e por vezes repulsivo.
Donald Trump protagonizou um episódio digno do samba do laranja doido ao proclamar uma suposta escravidão da Ucrânia, em uma proposta de exploração colonialista de minerais para saldar os gastos dos Estados Unidos na guerra de Vladimir Putin. Apoiar o invasor, afastar Volodymyr Zelensky e a Europa, atribuindo-lhes a responsabilidade não apenas pela guerra iniciada por Putin há três anos, mas também por potencialmente deflagrar uma terceira guerra mundial, supera em insanidade até mesmo a perspectiva de Chica da Silva casar Leopoldina com Tiradentes. E nada disso tem a menor graça.
Trump, que se julga o dono do mundo, divulgou um vídeo gerado por Inteligência Artificial, transformando a Faixa de Gaza em um resort luxuoso, com uma estátua dourada dele mesmo na praça central, drinks ao lado do primeiro-ministro de Israel Benjamin Netanyahu e, nas praias, odaliscas barbadas e chuvas de dinheiro. Além disso, exibiu-se em uma foto incrível com coroa e todo o aparato no canal oficial da Casa Branca. Essa cena não lembra o samba do laranja doido?
Já em solo brasileiro, Trump menosprezou o Brasil afirmando: “nós não precisamos deles”, desconsiderando o bajulador Javier Milei para acenar ao até então “comunista” Nicolás Maduro, detentor de petróleo, sendo este o primeiro presidente do Cone Sul a receber a visita do novo governo americano.
E como se não bastasse, ao lado da Rumble, sua empresa Trump Media processou o ministro do Supremo Tribunal Federal Alexandre de Moraes, argumentando – acredite se puder – que o brasileiro violou a Primeira Emenda da Constituição dos Estados Unidos. Nem mesmo a juíza da instância inicial levou a sério tal alegação. Enquanto isso, o filho de Bolsonaro, Eduardo, faz um intenso lobby no Congresso americano para impedir que Moraes entre no país, como se o ministro do STF estivesse implorando por um visto de entrada.
No cenário político brasileiro, a situação não é diferente.
Em apenas uma semana, o presidente Lula demitiu a ministra da Saúde Nisia Teixeira sem aviso prévio, deixando no ar a suspeita de que a decisão se deu por ineficácia da ex-ministra, renomada pesquisadora no Brasil. Para ocupar seu lugar, escolheu Alexandre Padilha, cuja competência como articulador político do governo é questionável, sendo criticado até por aliados por não ouvir parlamentares e não cumprir o prometido. Agora ele ficará responsável pelo maior orçamento da Esplanada. Ademais, a presidente do PT, Gleisi Hoffmann, conhecida por suas contendas com todos, inclusive com colegas de partido – é uma crítica ferrenha do ministro da Fazenda Fernando Haddad – foi nomeada ministra das Relações Institucionais, pasta responsável pela articulação política. Uma verdadeira loucura, incapaz de inspirar um samba, seja hoje, seja em 2026.
O Congresso Nacional não fica atrás. Até o momento, não votou o orçamento da União, que deveria ter sido aprovado no ano anterior, e chega ao Carnaval sem realizar uma única sessão deliberativa em 2025. No entanto, promoveu várias reuniões com o ministro do STF Flávio Dino para liberar as emendas secretas, as emendas de comissão e as emendas via Pix. Na quinta-feira, houve um desfecho: Dino aprovou o pagamento das emendas que ele havia bloqueado, inclusive as atrasadas, sob a promessa de transparência e rastreabilidade, algo que todos sabem que não será cumprido. Dessa forma, a festa estará liberada, não só durante o Carnaval.
O verdadeiro discernimento vem dos foliões nas ruas, os quais elegeram para este ano os hits “sem anistia” como trilha sonora. O tema embalou os tradicionais blocos Simpatia é Quase Amor, de Ipanema, e o Pacotão, que reúne jornalistas em Brasília. A música, sob a autoria de Edu Krieger, virou paródia e animou o bloco carioca Comuna que Pariu, com uma letra muito bem elaborada. “Golpe de estricnina, cloroquina, quadrilha de generais, qual é esse show da Xuxa? Anistia para fascistas, esquece!” Isso é Brasil.
Desejo a todos um ótimo Carnaval. Que venha o Oscar, que mesmo sem uma estatueta, já proporcionou muita música, alegria e orgulho.
Mary Zaidan é jornalista
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