APAGAMENTO CULTURAL
Colégios adaptam festividade cristã ao substituir o tradicional São João
Por Daniel Genonadio
21/06/2025 – 7:31 h

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Recentemente, instituições de ensino em Salvador e sua região metropolitana deram início a um recesso escolar que tradicionalmente era marcado pela celebração do São João. No entanto, várias escolas têm substituído essa festividade, adotando a denominada “Festa da Colheita”. Essa transformação, embora repleta de signos juninos — como vestuário, alimentos e brincadeiras — leva a um debate sobre a relevância cultural e religiosa da mudança.
Referida na Bíblia como um momento de gratidão pela colheita, a Festa da Colheita (ou Shavuot) celebra não apenas a abundância, mas também a entrega da Lei a Moisés. Contudo, ao ressignificar essa comemoração, as instituições parecem ignorar a profundidade cultural do São João, um símbolo forte da identidade nordestina.
Rafaela Fonseca, mãe de um aluno de 8 anos em Salvador, expressou sua surpresa diante dessa substituição. Para ela, a Festa da Colheita destoa da tradição e transmite uma mensagem religiosa que não condiz com a diversidade esperada em um ambiente escolar. “Eu percebi que a decisão foi da diretoria, que segue uma linha neopentecostal, sem consultar os pais”, disse, destacando a falta de comunicação a respeito da mudança.
Tem professoras que relatam que é questão de religião e eu não concordo
A mudança, segundo Rafaela, foi abrupta e sem envolvimento dos pais, o que gerou desconforto entre as famílias. O antropólogo Daniel Soglia enfatiza que essa transição é um reflexo do crescente espaço da religiosidade evangélica no Brasil, que, segundo o IBGE, já abriga 26,9% da população autodeclarada evangélica.
Esse processo de expansão da fé evangélica tem a ver também com o processo de aproximação a um tipo de conservadorismo
A pesquisadora Júlia Hist comenta que essa polarização no Brasil, associada a identidades culturais, cada vez mais transforma tradições em verdadeiros campos de batalha ideológica. “É fundamental que entendamos a cultura como um espaço para diálogo. Não devemos permitir que esses debates se tornem confrontos”, alerta.
A cultura não é campo de guerra
Maria Clara, mãe de Luna, de 5 anos, apresentou uma opinião contrastante, acreditando que a Festa da Colheita é uma celebração válida. “Simboliza a conclusão de um ciclo de aprendizagem, refletindo a colheita dos frutos do conhecimento”. Segundo ela, ainda que conheça o São João, entende a substituição como algo que abre espaço para novas perspectivas.
Apagamento Cultural
As postagens sob a hashtag #FestaDaColheita no Instagram mostram uma tendência crescente nas escolas que preferem essa comemoração cristã em vez das práticas católicas tradicionais. Para Soglia, esse movimento representa um apagamento cultural, já que as festas juninas, intrinsecamente ligadas à cultura nacional, transcendem sua origem religiosa, expressando uma identidade coletiva rica e variada.
As festividades são, para o nordestino, momentos de reencontro com suas raízes. “Ao rebatizar o São João como Festa da Colheita, estamos erodindo um símbolo de reconhecimento cultural”, ressalta Soglia, lembrando que essas comemorações foram adaptadas ao longo dos anos por influências indígenas e africanas.
A herança cultural e a construção da identidade
Apesar desses desafios, é importante considerar que as festas juninas foram reconhecidas como patrimônio cultural do Brasil a partir de 2024, através da Lei Nº 14.900/2024. A substituição de nomes e símbolos pode, de fato, enfraquecer a ligação das crianças com sua própria história.
Hist propõe uma solução: ao invés de um apagamento, é possível ressignificar as tradições, promovendo diálogo e educação patrimonial nas escolas. “Espaços de conversa com as famílias são essenciais para explicar as raízes e a evolução das festas”, acredita.
A professora Sherlene Apolinário, que atua em Irará, exemplifica como equilibrar ambas as tradições: “Aqui, mantemos o espírito do São João enquanto celebramos a Festa da Colheita, respeitando diversas crenças e trazendo os alunos para a riqueza cultural que essa festividade proporciona”.
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