Por que recomendo Pluribus a você e seu terapeuta durante as férias

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Pluribus é uma série de ficção científica da Apple TV que mergulha no tema do desejo e da coletividade, explorando como a propagação de um vírus transforma a subjetividade. Ao decifrar seu código genético, a humanidade descobre uma nova forma de existir: a felicidade, a empatia e a bondade tornam-se as únicas experiências, e a vida passa a se organizar como um único bloco, sem diferenças aparentes.

Nesse microcosmo, uma criança de sete anos pode deter todo o conhecimento compartilhado pela humanidade, o que evidencia o alcance extremo da transformação. A protagonista Carol, uma escritora imune à contaminação, observa o surgimento de um coletivo que não tem liderança visível e cujas decisões são justificadas pela urgência do bem comum.

Essa massa age como uma inteligência colaborativa, cuidando do Outro e buscando satisfazer seus desejos. O que parece um paraíso — cafés, viagens, intimidade sem limites e até armas — revela, porém, uma lógica de serviço que pode sufocar a singularidade e tornar o desejo uma demanda imediata.

Quando Carol reage com ódio, raiva ou luto diante de membros do coletivo, esses sentimentos se disseminam globalmente e provocam convulsões, levando a mortes em massa. A culpa que assola a protagonista impede que ela se expresse plenamente diante de um grupo que afirma apenas querer ajudar.

A ausência de um líder claro revela uma autoridade invisível que se fundamenta no bem comum. Em vez de ser questionada, essa autoridade se oculta, e as decisões são tomadas sob a lógica de proteger o grupo, o que pode endurecer regras sem debate individual.

Ao resistir a esse movimento e lutar pela dignidade e pela diferença de cada pessoa, Carol se transforma, paradoxalmente, na figura do inumano por excelência, questionando o que significa manter a própria identidade diante de uma força que tudo pode realizar em nome do bem.

A narrativa examina a relação entre desejo e serviço: a massa busca atender aos desejos dos imunes, apresentando-se como benevolente, mas o resultado pode erodir a autonomia de cada sujeito. O drama não romantiza o altruísmo: ele mostra que a coerção velada, a normalização de necessidades e a pressa por soluções rápidas podem tornar a ajuda uma ferramenta de controle.

Nesse contexto, a história provoca uma leitura psicanalítica sobre a sociedade. Freud, que inicialmente recorreu à hipnose para eliminar sintomas, percebeu que a dependência entre paciente e médico poderia se tornar prejudicial. Da hipnose nasce a psicanálise, uma ética que busca desarticular vínculos de servidão e permitir que o sujeito enfrente a fantasia, o narcisismo e a transferência para que não seja governado pela demanda do Outro.

A psicanálise, segundo a leitura do texto, não se limita a reduzir desconfortos; ela propõe uma posição subjetiva em que o sujeito não está inteiramente à mercê da lógica da massa ou dos impulsos que produzem o gozo. Esse percurso pode atravessar momentos de depressão, mas também pode abrir espaço para uma compreensão mais autêntica de si mesmo.

A série não exalta a adesão cega ao coletivo. Carol, ao recusar formas extremas de satisfação, revela que a ajuda que vem da massa pode perder o sentido humano quando o desejo é reduzido a uma função utilitária. Em certos momentos, a narrativa sugere que o gesto de “ajudar” pode se tornar violence, mesmo quando parece motivado pela empatia.

Em resumo, Pluribus oferece material fértil para terapeutas: provoca a reflexão sobre o papel de oferecer ajuda e a forma como a lógica da massa pode dissolver diferenças, dificultando que cada pessoa sustente um desejo próprio. Em vez de promover uma felicidade homogênea, o roteiro convida a considerar caminhos que enfrentem o desamparo humano e permitam que o desejo se reconfigure, sem abrir mão da dignidade singular de cada sujeito.

E você, o que acha de Pluribus como ferramenta de reflexão clínica? A série desperta debates sobre o equilíbrio entre desejo individual, assistência coletiva e ética terapêutica. Compartilhe nos comentários suas leituras sobre o tema e como a ficção pode orientar práticas no mundo real.

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