Especulação imobiliária e violências ameaçam terreiro de candomblé em Brumado

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O sacerdote de matriz africana Pai Dionata de Xangô buscou a delegacia de Brumado duas vezes esta semana para registrar violências e atos de intolerância religiosa contra a Sociedade Floresta Sagrada Alto de Xangô e contra o Centro Cultural Candomblé Alto de Xangô, ambos situados no bairro Feliciano Pereira Santos, antiga fazenda Santa Inês. Os documentos relatam eventos como danos materiais, furto e prática de discriminação e destruição de objetos e ambientes sagrados, além da destruição ambiental com a derrubada de vegetação nativa. 

O recente registro, no entanto, é mais um entre tantos. As violências contra o terreiro têm por trás uma disputa judicial iniciada em 2015, quando um empresário passou a reivindicar a posse da área, além de negociar a venda de terrenos para a construção do Loteamento Morada Nova.

Desde meados de 2002, no entanto, as instituições religiosas possuem a posse da área, além de alvarás concedidos pela prefeitura municipal, declaração do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) e certidão de cadastro de imóvel rural. Uma liminar favorável ao terreiro foi concedida pela Justiça em 2021, determinando o embargo do loteamento e de qualquer obra. Esta, no entanto, vem sendo descumprida. 

�??Uma torre de internet, que também servia para arquear a bandeira de Urumilá, que é uma bandeira branca que todo terreiro tem, foi roubada agora no mês de junho�?�, relata Pai Dionata. 

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Torre que servia de sustentação para a bandeira de Urumilá (Foto: Arquivo Pessoal)

�??Eu estou revoltado com o que eu e meu povo de matriz africana estamos sofrendo nessa cidade. �? inadmissível! Em pleno século XXI, a Bahia, o berço do candomblé no Brasil, e a gente sofrendo a perseguição e a intolerância. Uma jaula de leões, que faz parte da história do terreiro, roubaram também. O poleiro das galinhas, onde se guardam os bichos das ritualísticas e os animais, tanto para o sagrado quanto para alimentar o povo, eles destruíram. Não bastante, destruíram casas que pertenciam a culto litúrgico-religioso. Rasgaram portas, arrancaram madeiramento, arrancaram telhados. Foram em uma casa que servia para dar guarida aos filhos de santo que não têm condições de pagar aluguel, arrancaram as portas, janelas, destruíram o gesso, arrancaram pia, acabou com tudo�?�, diz o sacerdote.

Em julho de 2020, a comunidade religiosa acionou a Defensoria Pública da Bahia, que acolheu os relatos e procedeu com os trâmites legais. Em junho de 2021, por ação do órgão, o juízo da vara Cível da Comarca de Brumado concedeu a liminar, determinando o embargo do loteamento e de qualquer construção no terreno. Na ação, são relacionados como réus um homem identificado como Almir Rocha da Silva e o Município de Brumado. A decisão judicial, no entanto, não foi cumprida e, de acordo com o líder religioso, as invasões ao terreno têm se intensificado desde então.

Somados os espaços das duas instituições, o terreno possui aproximadamente 10 hectares e se estende ao longo da BA-148, que dá acesso à cidade de Brumado. Na decisão liminar, o juiz Antônio Carlos do Espírito Santos Filho, da Vara Cível e Comerciais de Brumado, elenca a probabilidade do direito e o perigo de dano ao definir favoravelmente às instituições religiosas.

�??Nos autos, o primeiro se infere do fato que a sociedade autora é proprietária do imóvel, conforme alvará emitido pela prefeitura, bem como declaração do Incra e certidão de cadastro de imóvel rural (IS. 72028191), além do fato de haver medida liminar nos autos deferindo a manutenção da posse da sociedade.�?�

O magistrado cita ainda a inexistência de autorização do Executivo municipal para a realização das obras, o que torna as construções e negociações ilegais, comprovada a partir de notificações, autos de infração e certidão de dívida ativa. 

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Maquinário utilizado no loteamento irregular da área da Fazenda Santa Inês (Foto: Arquivo Pessoal)

�??A prefeitura de Brumado está inerte. A gente tem documentos que provam que a prefeitura tem ciência de que o loteamento é irregular. Que irregular é esse que não param as construções? Não param as obras? Ninguém faz nada. A mata sendo destruída, o terreiro tendo seus assentamentos vilipendiados, destruídos. Eu já recorri em todos os lugares. Até agora, nenhuma dessas pessoas foram punidas�?�, reclama o sacerdote.

Pai Dionata também relata ameaças, além de intimidação, com a presença de homens armados no local em disputa. Em uma das ocasiões, segundo ele, policiais militares à paisana também estiveram presentes. A comunidade religiosa, então, acionou o comando local da PM. Uma sindicância chegou a ser aberta para investigar as denúncias. 

�??Esses atos de intolerância religiosa já vem acontecendo há muitos anos. A gente vem sofrendo com a perseguição, com o racismo estrutural, religioso. �? uma sociedade racista, sexista. Entramos com medida judicial junto a Defensoria Pública da Bahia, as liminares foram favoráveis ao terreiro tanto no primeiro quanto no segundo grau. Até a data de hoje, essa liminar não foi cumprida. Temos posse mansa e pacífica há duas décadas. A Sociedade Florestal Alto de Xangô, que é uma área designada a proteção ambiental, e o Centro Cultural do Candomblé Alto de Xangô, que é a parte litúrgica, sagrada, onde temos os espaços sagrados aos orixás�?�, acrescenta Pai Dionata.

Após a ação impetrada pela Defensoria Pública da Bahia, a União, que tem a posse legal da terra , já que é uma área comprovadamente federal, manifestou interesse no processo e o caso foi direcionado à Justiça Federal. 

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Atividades de construção são mantidas apesar de decisão judicial determinar o embargo (Foto: Arquivo Pessoal)

Em maio deste ano, uma petição foi protocolada pela Defensoria Pública da União. No documento, o órgão reforça que, apesar de decisão anterior, que reconheceu a tutela provisória de urgência e determinou o embargo das construções, estas continuam acontecendo. �??As atividades do loteamento continuam sendo empreendidas, com a supressão da vegetação existente, comprometendo diretamente os meios de reprodução cultural do grupo de matriz africana, conforme vídeos e imagens. �? importante consignar que o Município não vem adotando quaisquer medidas para impedir a continuidade das obras�?�, diz.

A DPU ratificou à Justiça pedidos antes encaminhados pela Defensoria Pública da Bahia, a exemplo de fixação de placa evidenciando o embargo da obra em razão de decisão judicial; que a prefeitura local exerça o poder de polícia e fiscalização sobre o território para garantir o cumprimento da determinação; remoção de terceiros e equipamentos que permaneçam no território; majoração de multa pelo descumprimento da decisão, entre outros. O documento é assinado por Vladimir Ferreira Correia, defensor federal com atuação na Regional de Direitos Humanos da Bahia.

Investigação policial
De acordo com o delegado plantonista Fabio Lago, da 1ª Delegacia de Brumado, que assina o registro da ocorrência, um inquérito para apuração dos fatos já está em curso, com realização de perícia no local, além de levantamento de provas materiais, testemunhais e documentais das violências. Segundo ele, os registros locais apontam reiteradas violências conta a comunidade religiosa, datados a partir de 2015. 

�??Não é o primeiro registro. Nós estamos empenhados para dar a resposta devida. �? um verdadeiro desrespeito ao ser humano, às crenças religiosas. Um série de invasões, de furtos, que vem ocorrendo de uma maneira vertiginosa há mais de um mês. �? um situação que deve ser combatida com rigor e ser aprofundada as investigações. Nós seremos tolerância zero com esse tipo de infração penal�?�, destaca Fabio Lago. 

A reportagem buscou contato com a prefeitura de Brumado por meio do telefone e e-mail disponíveis no site, mas não obteve êxito. Em contato telefônico com o prefeito Eduardo Vasconcelos, o gestor afirmou desconhecer a situação de disputa e violências contra a comunidade religiosa que tem ocorrido na cidade. Disse desconhecer também que a prefeitura tenha sido relacionada como ré na ação movida pela Defensoria da Bahia.

Também procurado pela reportagem, o Incra na Bahia não comentou o caso. O órgão alegou já ter se manifestado sobre o assunto em situação anterior. 

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